Piora antes da melhora

Atualizada em 11/10/2022 às 12h42

Déficit público crescente, inflação em trajetória de alta e desequilíbrio progressivo nas contas externas do país são uma combinação explosiva para qualquer economia. O Brasil vinha por esse caminho quando, pelas mãos do ministro Joaquim Levy, ainda no segundo governo Dilma, começou uma tentativa de ajuste, que se aprofundou após o afastamento da presidente, com Michel Temer tocando o barco à frente de uma nova equipe econômica.
Em 2016, a inflação passou a declinar e o ano encerrou com minguado desequilíbrio nas contas externas, pois grande parte das necessidades de financiamento em moeda estrangeira foi suprida pela receita das exportações. Há de se considerar também que as despesas encolheram, devido à desvalorização do real e o consequente encarecimento, para os brasileiros, de bens e serviços oriundos do exterior.

Tamanho ajuste se deu sem que as finanças públicas efetivamente fechassem o ano menos deficitárias. Ao contrário, o déficit de 2016 superou bem o de 2015. Se as estatísticas forem olhadas de maneira fria, a sensação seria de deterioração, ainda que o discurso do governo Temer e sua equipe econômica seja de recuperação. No entanto, embora as finanças públicas, de fato, não tenham melhorado, os mercados reagiram positivamente porque enxergam a possibilidade de isso ocorrer a partir deste ano, em face das reformas estruturais que estão em curso. Não há mais como o conjunto dos gastos governamentais aumentar mais de maneira desordenada, pois foi inserida na Constituição uma barreira que delimita agora a expansão das despesas. Porém, alguns desses gastos crescem quase de forma autônoma, como se tivessem vida própria. É o caso da Previdência. A única opção foi encarar o problema de frente com uma reforma que leva em conta principalmente a demografia, já que não dá mais para mascarar a realidade sem continuar agredindo a aritmética.

Diante da perspectiva que as finanças entrarão nos eixos, o déficit acabou sendo financiado pelo mercado financeiro doméstico. A participação estrangeira nos títulos vendidos pelo Tesouro Nacional diminuiu em 2016. O déficit absorve a poupança interna que deveria ficar disponível para investimento. Na contabilidade da economia, poupança e investimento se igualam. Sem poupança doméstica, o investimento terá de ser bancado essencialmente por capitais externos. É curioso então que a preocupação com uma desnacionalização excessiva na economia brasileira não envolva os riscos causados pelo déficit público. A reforma da Previdência, o controle dos gastos públicos, etc., por incrível que pareça, fortalecerão a participação de capitais privados brasileiros na configuração futura da economia do país.

A guerra fiscal entre os entes federativos fez com que a concessão de benefícios tributários ou de crédito se tornasse decisiva na atração de investimentos relevantes, especialmente na indústria. Em decadência econômica por décadas, e não por acaso governado nesse período por políticos hostis ao investimento privado, o Estado do Rio demorou a reagir à guerra fiscal, mas, desde 1997 (governo Marcello Alencar), a concessão de incentivos entrou na agenda estadual. Com isso, o Estado do Rio passou a esboçar uma reação à onda de desindustrialização que empobrecia progressivamente o território fluminense e carioca.

Em face da comprovada epidemia de corrupção que envolveu investimentos relacionados à Petrobras e a diversas obras públicas, muitos benefícios têm sido questionados, como se fizessem parte do mesmo bolo. No caso do Estado do Rio, essa política de incentivos foi conduzida por equipes sérias que se mantiveram mesmo com a troca de governadores de diferentes partidos. Sem essa iniciativa bem-sucedida, o Estado se encontraria em situação financeira ainda mais deplorável, e talvez já tivesse virado uma Somália. O quadro é de calamidade financeira, mas ainda com possibilidade de recuperação, quando a indústria do petróleo, especialmente, voltar a respirar e a economia brasileira reagir.

É preciso separar alho de bugalhos, o joio do trigo, para não se promover caça às bruxas entre as empresas que investiram atraídas pelos benefícios, concedidos com base em instrumentos legais por autoridades constituídas. No apagar das luzes do ano passado, a Michelin, por exemplo, se viu ameaçada de ter R$ 1 bilhão bloqueado por ordem judicial. Ficaria sem caixa até para pagar salários se a ordem tivesse sido executada - e não teria a quem recorrer, pois o Tribunal de Justiça entrou em recesso logo a seguir! A alegação é que no programa de benefícios a empresa teria recebido um crédito duvidoso de R$ 1 bilhão. Fazia parte do programa, mas a empresa francesa preferiu não porque outras linhas próprias de financiamento se mostraram mais vantajosas. Antes dessa decisão. Ninguém na justiça se deu ao trabalho de apurar a contribuição do investimento da Michelin na fábrica de pneus de Itatiaia, em termos de impostos, empregos e impacto sobre a economia local. Não há indícios, evidências ou seja lá o que for de que esses benefícios fiscais estiveram relacionados com corrupção.

george.vidor@globo.com

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