Artigo

Brilhantina Glostora

Atualizada em 11/10/2022 às 12h44

A propósito dessas eleições que se aproximam lembrei de auscultar um velho amigo entendido no assunto, sobre o que pode vir aí pela frente. Sempre cirúrgico naquilo que antevê, seu foco ultimamente tem sido essa ignominiosa política de desconstrução de adversários, levada a passos soltos por marqueteiros e marquetados.

Disse-me que ganha a eleição quem tiver mais votos (o que, convenhamos, já é uma retumbante conquista em termos de eleições sul-americanas), mas que esse vencedor não será necessariamente aquela melhor opção de que o eleitor dispunha, e sim aquele que melhor exerceu a arte de esculachar o adversário.

Eu lembro que ainda criança gostava de ver a campanha de Sarney e Cafeteira na velha Difusora dos irmãos Bacelar. Não intuo muito bem o que me prendia àquela chamuscada telinha Philips em preto e branco, mas recordo que ficava atento e interessado, durasse quanto durasse a fala de cada um deles.

Na minha cabeça de menino Zé Sarney era o bom moço e Cafeteira o vilão. O Zé era do bem e falava com seriedade e entono; Cafifa fazia o tipo malandro, gozador, tirando sempre piada daquilo que o outro dizia, e sua voz era assim meio rouca, uníssona, arrastada, quase como a de uma pessoa ébria.

Recordo que naquela época falava-se de progresso e de prosperidade, de asfalto, escola, universidade, hospital, moradia, etc. Apresentava-se proposta disto e daquilo, e tudo com a mais nobre finalidade de cativar o eleitor na base do convencimento, do sou melhor e assevero que faço.

Havia também uma preocupação com aspectos infra estruturais que pudessem sustentar o tão sonhado progresso, ressaltando-se nesse particular a questão onipresente da necessidade de energia elétrica, abundante e compatível com os propósitos desenvolvimentistas apresentados aos eleitores.

Sentado no banco do carona a caminho do aeroporto dias destes, ia comentando com minha mulher sobre a avenida por onde seguíamos, e sobre a carinhosa adjetivação de lunático atribuída ao prefeito que idealizou o Anel Viário para São Luís. E concluíamos que está mais do que na hora de vencermos esse deplorável pragmatismo eleitoreiro de hoje, e começarmos a pensar também na cidade dos próximos 30 anos.

Essa baixaria de disputas eleitorais baseadas apenas na desconstrução dos adversários começou pra valer na campanha do Collor, e é hoje a principal ferramenta de trabalho de quase todos os candidatos, dos que desconstroem abertamente e sem qualquer constrangimento, e daqueles que o fazem de forma velada, covarde ou sorrateira, atirando a pedra e escondendo a mão.

Falta ainda muita luz por acender, muita escola, muito hospital (esse como falta!), segurança (essa, então, nem se fala!), etc, e nisto a lengalenga das campanhas de hoje em nada difere das de antigamente.

A diferença agora é que já não basta apenas maquinar formas inspiradas, inusitadas ou engraçadas de entreter o infeliz do eleitor. Alem de jurar que acaba de vez com a seca do Nordeste, ou que revoga se necessário a Lei da Gravidade (tá bom... essas são velhas! eu sei...), é preciso revirar o contendor pelo avesso, expor-lhes as vísceras e arrancar, ou inventar, do seu mais recôndito uma falha de caráter ou de procedimento, para escancarar ao respeitável público.

Bons tempos aqueles da brilhantina glostora!

Ronaldo Braga

Economista e opinante eventual

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