Em processo de cassação

Conheça a trajetória política do deputado afastado Eduardo Cunha

Afastado do mandato desde maio pelo STF, Cunha esteve no centro de situações polêmicas como a que resultou na admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma Rousseff

Luciano Nascimento/Agência Brasil

Atualizada em 11/10/2022 às 12h45
A sessão da Câmara que vai decidir o futuro político de Cunha está marcada para as 19h desta segunda-feira (12).
A sessão da Câmara que vai decidir o futuro político de Cunha está marcada para as 19h desta segunda-feira (12). (Eduado Cunha sofre pressão por renúncia)

BRASÍLIA - O deputado afastado e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve o pedido de cassação do mandato aprovado no Conselho de Ética da Casa em junho, sob a acusação de ter mentido durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras sobre a existência de contas secretas na Suíça. Ele nega a acusação. A sessão da Câmara que vai decidir o futuro político de Cunha está marcada para as 19h desta segunda-feira (12).

Afastado do mandato desde maio, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), Cunha esteve no centro de situações polêmicas como a que resultou na admissibilidade do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Nascido no Rio de Janeiro em 1958, Eduardo Cunha é radialista, evangélico, casado e pai de quatro filhos. Formou-se em economia na Universidade Cândido Mendes. Antes de se tornar, com a eleição para a presidência da Câmara em fevereiro de 2015, o terceiro na linha de sucessão da presidência da República, o deputado afastado teve a trajetória política iniciada em 1989, quando se filiou ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN) do então candidato e ex-presidente Fernando Collor de Mello. Com a eleição de Collor, foi nomeado em 1991 para o cargo de presidente da Telerj, empresa estatal de telecomunicações do Rio de Janeiro, permanecendo no cargo até 1993.

A passagem de Cunha pela estatal foi marcada pelo processo de instalação da telefonia celular no Rio e por denúncias de irregularidades na contratação de servidores sem concurso. Durante sua gestão, o Tribunal de Contas da União constatou falhas na licitação para a edição de catálogos telefônicos e tratamento privilegiado a fornecedores.

Após a saída da Telerj, Cunha atuou alguns anos como operador na Bolsa de Valores. Ele também se filiou ao PPB (Partido Progressista Brasileiro, atual PP), em 1995. Data desse período a sua aproximação com os evangélicos, por meio do então deputado federal fluminense, Francisco Silva, dono da emissora evangélica Rádio Melodia FM.

Em 1998, concorreu à vaga de deputado estadual. Tendo obtido pequena votação, acabou sendo suplente. Em 1999, passou a ocupar o cargo de subsecretário de Habitação (órgão posteriormente transformado em Companhia Estadual de Habitação) no governo de Anthony Garotinho, que colocou Francisco Silva para chefiar a entidade.

Em abril de 2000, já como secretário, Cunha é afastado da função após denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas que somavam R$ 34 milhões. As denúncias levaram o Tribunal de Contas do Estado (TCE) a notificar Cunha. Em meio a esse cenário, ele assumiu em 2001 uma vaga como deputado estadual, obtendo prerrogativa de foro privilegiado.

Em 2002, teve início o processo de inserção na política nacional, quando se lançou candidato a deputado federal, sendo eleito com 101.495 votos. Repetiu o feito, já filiado ao PMDB, em 2006, quando obteve 130.773 votos, e em 2010, com 150.616 votos.

Cunha conquistou, em 2013, o cargo de líder do PMDB na Câmara. Durante esse período, atuou contra projetos que tratavam do casamento civil entre pessoas homoafetivas, da legalização do aborto e pela redução da maioridade penal. Também atuou na tramitação do projeto que trata do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 e que regula o uso da internet no país. O parlamentar se colocou contra temas como a neutralidade de rede.

Presidência da Câmara

Em 2014, foi reeleito para mais uma legislatura, tendo obtido 232.708 votos, sendo o terceiro mais votado do Rio. Com a decisão, tomada em 2014, de se candidatar à presidência da Câmara dos Deputados, o até então líder do PMDB cristaliza a sua posição como um dos principais atores políticos do país. Ele foi eleito por 267 votos, derrotando em primeiro turno o candidato do governo Dilma, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Com uma campanha montada em cima da insatisfação da base aliada do governo, Cunha, após a eleição, começou um processo de distanciamento e enfrentamento com o governo. A tensão crescente resultou, em julho daquele ano, no anúncio do rompimento com o governo Dilma Rousseff. Na ocasião, Cunha disse que passaria a integrar as fileiras da oposição. Ele também começou a trabalhar para que o PMDB adotasse a mesma postura.

O anúncio do rompimento ocorreu em meio à escalada de denúncias que levaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a incluir o nome de Cunha em uma lista de políticos suspeitos de integrar o esquema de corrupção e pagamento de propina envolvendo a Petrobras e investigados na Operação Lava Jato.

Entre as denúncias estava a do ex-consultor da empresa Toyo Setal Júlio Camargo, que relatou à Justiça Federal do Paraná que Cunha lhe pediu propina de US$ 5 milhões. O ex-presidente da Câmara acusou o Palácio do Planalto de ter se articulado para incriminá-lo.

Eduardo Cunha foi denunciado por Janot ao STF em agosto, por corrupção e lavagem de dinheiro. Em documento institucional enviado à Câmara, Janot, argumentou que Cunha usava a Casa e os parlamentares "como escudo".

Em outubro, Cunha foi denunciado ao STF pela segunda vez por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, levantada por movimentações em contas bancárias na Suíça e que seriam controladas pelo parlamentar em seu nome ou no de familiares.

Durante esse período, o exercício da presidência da Câmara dos Deputados por Cunha foi marcado por polêmicas. Ele foi acusado por opositores de atropelar o regimento interno e usá-lo a seu favor, refazendo votações que já havia perdido.

Entre esses episódios estão o da aprovação da proposta de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal e votações da chamada reforma política, especialmente a possibilidade do financiamento privado de campanhas. Favorável à redução e ao financiamento, Cunha refez as votações, após o plenário ter se posicionado contra, em episódio que ficou conhecido como “pedaladas regimentais”.

Conselho de Ética e impeachment

Por causa das novas denúncias, o PSOL e a Rede protocolaram, no dia 13 de outubro, uma representação contra Cunha no Conselho de Ética. Além dos dois partidos, o documento foi endossado por parlamentares do PT, PSOL, PSB, PPS, PROS e do PMDB.

A representação foi fundamentada em documento enviado ao PSOL pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após um pedido formal do partido. Os papéis já apontavam a titularidade de Cunha nas contas bancárias secretas na Suíça. Os partidos pediam a cassação do mandato, afirmando que Cunha mentiu em depoimento à CPI da Petrobras, em março, quando negou que tivesse contas no exterior. Na declaração enviada à Justiça Eleitoral em 2014, Cunha também não informou ter contas no exterior, apenas uma no Banco Itaú.

Em 3 de dezembro de 2015, horas depois de o PT retirar o apoio a Eduardo Cunha no Conselho de Ética, Cunha aprovou um dos pedidos de impeachment apresentados contra Dilma. O gesto foi apontado por petistas como uma clara retaliação pela perda do apoio no conselho.

Após uma série de manobras que atrasaram o trabalho do colegiado, em 15 de dezembro o Conselho de Ética autorizou, por 11 votos a nove, o prosseguimento das investigações. A decisão ocorreu horas depois de a Polícia Federal ter feito a Operação Catilinárias, cujo alvo foi o próprio Cunha.

Posteriormente, outra manobra levou ao afastamento do então relator, Fausto Pinato (PP-SP), em abril de 2016. Pinato renunciou à vaga de membro titular no Conselho de Ética, alegando que o lugar pertencia ao PRB, partido que ele deixou para migrar para o PP. A deputada Tia Eron (PRB-BA) passou a integrar o colegiado no lugar de Pinato.

Com a saída de Pinato, o deputado Margos Rogério (DEM-RO) assumiu a relatoria do processo contra Cunha. O processo foi concluído somente em 14 de junho, quando o colegiado aprovou por 11 a 9 o parecer pela cassação do mandato do peemedebista.

Ao colegiado, Cunha disse ter trustes, tipo de negócio em que terceiros passam a administrar bens do contratante, e que os valores têm origem em operações comerciais e no mercado financeiro, como a venda de carne enlatada para países da África.

Segundo o relatório de Marcos Rogério, os trustes foram usados pelo presidente afastado da Câmara para ocultar patrimônio mantido fora do país e receber propina de contratos da Petrobras. O deputado diz no parecer que Cunha constituiu os trustes no exterior para viabilizar a "prática de crimes".

Antes da decisão do colegiado, Cunha ainda presidiu a sessão do plenário da Câmara que decidiu pela autorização da continuidade, no Senado, do processo de impeachment de Dilma Rousseff, no dia 17 de abril, por 367 votos favoráveis e 137 contrários. A sessão durou 9 horas e 47 minutos; a votação, seis horas e dois minutos.

A decisão ocorreu pouco depois de um mês da decisão do STF. A unanimidade do tribunal seguiu o voto do ministro Teori Zavaski, relator da Operação Lava Jato, que acolheu o pedido da PGR, de dezembro de 2015, para o afastamento de Cunha.

"Além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, [a permanência de Cunha] é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada", escreveu Teori. O ministro também afirmou que o deputado "não tem condições pessoais mínimas" para ser presidente da Câmara pois "não se qualifica" para eventualmente substituir o presidente da República.

Para que o peemedebista seja cassado são necessários os votos de 257 deputados. Prestes a completar 58 anos, Cunha foi ao longo de quase dois anos um dos principais políticos do país. A Lei da Ficha Limpa prevê que, em caso de perda de mandato, o político fique inelegível por oito anos, além do tempo restante para o fim do mandato.

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