Violência contra a mulher

Com 10 anos, lei ainda tem desafios a superar

Segundo órgãos de proteção à mulher, a lei tem como entraves a efetivação das políticas públicas de proteção, punir as novas formas de violência e a inclusão social de lésbicas, bissexuais e transexuais

Jock Dean

Atualizada em 11/10/2022 às 12h46
Maria da Penha foi vítima de violência e deu origem ao nome da lei
Maria da Penha foi vítima de violência e deu origem ao nome da lei (Maria da Penha)

Criada para repreender e punir responsáveis por cometer violência doméstica contra as mulheres, a Lei Maria da Penha também atua no combate e na prevenção dos crimes desta natureza. Este ano, a legislação que ganha força no Brasil completa 10 anos, mas é preciso avançar. Segundo órgãos de proteção à mulher, a lei tem como desafios a efetivação das políticas públicas de proteção, punir as novas formas de violência e a inclusão social de mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais.

Desde 2006, a Justiça brasileira reconhece a gravidade das violações contra o sexo feminino e retira dos juizados especiais criminais (para crimes de menor potencial ofensivo) a competência para julgá-los. A lei alterou o Código Penal, possibilitando que agressores de mulheres sejam presos em flagrante ou tenham decretada a prisão preventiva sem direito a pena alternativa.

Enfrentamento
A titular da Delegacia Especial da Mulher, Kazumi Tanaka, destaca que antes da Lei Maria da Penha não se falava em políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. “O que havia eram legislações esparsas ou artigos esparsos em leis diversas que tratavam de uma questão ou outra em relação à violência contra a mulher ou doméstica e familiar”, frisa.

A lei acabou com aquela concepção minimalista que apenas com ações policiais nós resolveríamos o problema, pois sabemos que não é a ação policial que vai acabar com a violência contra a mulher”Kazumi Tanaka, titular da Delegacia Especial da Mulher

Para ela, os desafios são o fortalecimento das políticas públicas, dos organismos que atendem a mulher em situação de violência e encarar como uma política de estado para que ela não se perca. “A lei acabou com aquela concepção minimalista que apenas com ações policiais nós resolveríamos o problema, pois sabemos que não é a ação policial que vai acabar com a violência contra a mulher, pois nós estamos combatendo um comportamento cultural de homens machistas, uma cultura de dominação da mulher pelo homem, uma cultura que ensina a homens e mulheres a tratarem suas relações afetivas e familiares de forma desigual”, afirma.

Vânia Albuquerque, titular da Coordenadoria Municipal da Mulher, destaca ainda que a lei precisa contemplar as novas modalidades de violência contra a mulher. “Uma das novas formas de violência contra a mulher é a exposição da sua intimidade nas redes sociais. É preciso pensar em formas de combater esse tipo de violência e punir seus autores. Pois como todas as formas de violência contra a mulher esta também traz danos à saúde física e mental da vítima”, destaca.

Ações integradas
Para o juiz Nelson de Moraes Rêgo, titular da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os principais desafios estão nas diretrizes do artigo 8º da lei, que estabelece medidas integradas para combater a violência contra a mulher. Os órgãos de Justiça se articulam com os de segurança e estes devem se articular com os de saúde, educação entre outros. “Aqui falta melhorar essa costura para melhorar a aplicação da lei, o que já está sendo feito, visto que há uma câmara técnica na Secretaria de Estado da Mulher, que monitora e implementa a política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher”, explica.

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Com relação à rede de proteção à mulher, Vânia Albuquerque informa que em oito anos de atividades o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, da Prefeitura de São Luís, já atendeu 3.513 mulheres, prestando serviços sociais, jurídicos e outros tipos necessários de assistência, como o acolhimento e acompanhamento psicológico. “O que percebemos é que a lei trouxe um aspecto pedagógico importante, que é fazer a mulher identificar as situações de violência com mais clareza e buscar ajuda”, comenta.

A coordenadora Municipal da Mulher lembra ainda que o atendimento às mulheres lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais é outro desafio na aplicação da Lei Maria da Penha. “Neste caso, é preciso antes fazer um treinamento com todas as equipes que atendem à mulher vítima violência, pois quando se trata deste público o preconceito dos profissionais acaba vindo à tona e dificultando o atendimento”, diz Vânia Albuquerque.

Ligue 180

A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180- é um serviço com o objetivo de receber denúncias ou relatos de violência, reclamações sobre os serviços da rede e de orientar as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para os serviços quando necessário.

Quem é Maria da Penha?

A Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso. Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia.

Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão mas conseguiu recorrer.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência.

Em 2006 a Lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.

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