Artigo

Meu amigo Nauro Machado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h46

Magro, longas barbas brancas, figura onipresente nas minhas tardes do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, casa de cultura onde trabalhamos juntos por cinco anos. Chegava, após caminhar desde a rua da Alegria à Praia Grande, por ladeiras, calçadas estreitas e ruas esburacadas, sob o sol ardente, amenizado por um chapéu panamá, a proteger-lhe a cabeça desprovida de cabelos, saudando e sendo saudado pelos populares. Batia, suavemente, à minha porta, vizinha à sua, tirava o chapéu, tomava um copo d’água, reclamava do calor, e se punha a conversar.

Leitor constante de poetas assinalados, enriquecia meu saber, falando-me de novos e valorosos vates. Assim era o nosso cavaquear. Uma troca desigual e fascinante para mim.

Nesses anos, apreendi verdadeiramente a alma humana de Nauro. A alma poética já me havia sido apresentada nos seus numerosos livros: alma dilacerada e inquieta, acompanhando-se apenas da constância da morte e do apocalipse no seu percurso solitário, abismada na introspecção angustiada do ser. O caos que parece dominar essa alma desde o seu recôndito não atinge a rigorosa construção verbal de seus versos, seja ela expressa em sonetos, sextetos ou versos livres.

As idiossincrasias do poeta não se mostravam na alma do homem. Nauro encantava e surpreendia. Os funcionários do “Odylo” tinham como que uma veneração por aquele homem tão importante para a nossa literatura, tão louvado e ao mesmo tempo tão terno, educado, simples, humilde até.

Emocionava-se com coisas desimportantes, triviais, como se merecimento não tivesse, agradecia a pequena sala, que dividia com Dona Helena Aroso, sua velha mesa, seu desatualizado computador e até o café com leite e bolachas das 14 h, providenciado por ela.

Ali atendia amigos de todas as classes sociais, aconselhava poetas jovens e escrevia poemas. Eu reconhecia o valor de sua presença e dizia aos colegas: futuramente aqui haverá uma placa com os dizeres: nesta sala, o poeta Nauro Machado escreveu grande número de seus poemas. Ainda espero que façam isto.

É bom poder dizer: meu amigo Nauro Machado. Porque, confrange-me confessar, nem sempre foi assim. Durante um alargado período, nos jogávamos farpas - Arlete no meio, Santa Arlete, querendo apaziguar. Era a bebida a falar e agir por ele. Mais de uma vez me disse: Jamais compus um só verso quando bêbado, a desmistificar a bebida como fator de inspiração.

Sempre o admirei como poeta, mas embirrava com o seu comportamento e suas provocações. Já éramos amigos sem ter consciência disso.

No “Odylo”, ele lançou livros, participou de debates literários, foi louvado por Ivan Junqueira, na abertura da Feira de Livros de São Luís e teve uma galeria com seu nome afixado em placa. O XVI Café Literário, dedicado a ele, foi o de maior plateia. 300 pessoas lotavam o salão e o mezanino, para saber de Nauro, homenagear Nauro e ouvir o professor, poeta e crítico literário paraibano, Hildeberto Barbosa Filho proferir a palestra “Nauro Machado: o Poeta do Ser e da Linguagem”. Hildeberto, nesse Café, frisou que Nauro ”não era um poeta egocêntrico já que sua obra não implica em um ‘eu biográfico’, pois, ao contrário, aborda a dor de todos, no plano filosófico e no social”. Deteve-se nos aspectos de sua “singularíssima linguagem, por meio dos quais ecoa uma visão de mundo em comum, coesa, cerrada e coerente, dividida entre o laceramento e a esperança.” Acompanhado de Arlete, Frederico e de suas amadas netas, entre aplausos, ele lançou o livro Província o pó dos pósteros. Foi uma noite feliz.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: ceresfernandes@superig.com.br

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.