Paz

Farc e governo da Colômbia assinam acordo de cessar-fogo definitivo

Armas da guerrilha serão entregues à ONU e usadas em monumentos; conflito de mais de 50 anos deixou mais de 220 mil mortos;os últimos 15 anos, o exército colombiano, apoiado pelos EUA, colocou em prática ofensiva militar contra o movimento insurgente

Atualizada em 11/10/2022 às 12h47
(Os presidentes Juan Manuel Santos (esq.),Raúl Castro e o comandante das Farc Timoleón Jiménez)

Havana - O governo colombiano e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) assinaram ontem em Cuba o acordo de cessar-fogo bilateral e definitivo anunciado na quarta, após meio século de conflitos no país.

O acordo oficializado em Havana -- sede dos diálogos de paz entre as duas partes -- inclui cessar fogo, entrega de armas e garantia de segurança para os rebeldes.

Os guerrilheiros se comprometeram a devolver suas armas em até 180 dias à ONU, que as destruirá e utilizará o material na construção de três monumentos.

"Hoje é um dia histórico para a Colômbia", disse Santos. Além dele, compareceram à cerimônia o comandante das Farc, Timoleón Jiménez, e o presidente de Cuba, Raúl Castro, que atuou como um dos mediadores do processo.

Segundo os mediadores, serão estabelecidas 22 áreas de transição temporárias e 8 campos para os rebeldes das Farc, que devem existir por seis meses. Civis não serão autorizados a entrar nesses campos, para garantir a segurança dos rebeldes.

A negociação entre o governo de Santos e as Farc envolve seis pontos. Quatro deles já estavam definidos: a participação política dos guerrilheiros, as drogas ilegais, o programa agrário e a justiça e vítimas.

Na quarta-feira desta semana, chegou-se ao acordo sobre o quinto ponto, que é o desarmamento da guerrilha. Ainda está previsto na negociação um pacto sobre o mecanismo para a sanção dos acordos.

A guerrilha esquerdista e o governo, que negociam o fim do conflito armado desde 2012, tinham se comprometido a firmar a paz antes de 23 de março de 2016, mas o prazo não foi cumprido. Ainda não se sabe quando o acordo definitivo será assinado.

EUA felicitam Colômbia
Os Estados Unidos felicitaram nesta quinta-feira o governo colombiano por ter chegado a um acordo de cessar-fogo definitivo com a guerrilha das Farc, abrindo finamente o caminho para a solução de um conflito armado de mais de meio século.

"Apesar de persistirem os desafios no momento em que as duas partes continuam negociando um acordo de paz definitivo, o anúncio de hoje representa um importante avanço para por fim ao conflito", comentou Susan Rice, assessora para segurança nacional do presidente Barack Obama.

Mais de 220 mil mortos
O conflito entre as Farc e o governo marcou gerações no país sul-americano, desde o início das hostilidades, em 1964. O conflito deixou mais de 220 mil mortos e obrigou milhões de campesinos a se deslocar. Há 11 meses, as Farc mantêm um cessar-fogo unilateral, e o governo suspendeu bombardeios a campos rebeldes.

As Farc nasceram no dia 27 de maio de 1964 em Marquetalia, região de Tolima, onde um grupo de liberais armados tentou frear uma ofensiva do Exército que pretendia acabar com uma comunidade autônoma de camponeses que existia no lugar.

Em mais de 50 anos de existência, a guerrilha sobreviveu a pelo menos quatro grandes campanhas militares de 12 governos diferentes. Nos últimos 15 anos, o exército colombiano, apoiado pelos Estados Unidos, colocou em prática uma ofensiva militar contra o movimento insurgente, pressionando a ida dos combatentes para a selva e o forçando a negociar sua desmobilização.

Os anos 1990 foram marcados por uma estratégia de guerra das Farc que incluiu ataques a povoados, bases militares e quartéis de polícia. Os rebeldes também recorreram ao sequestro de civis para pedidos de resgate. A tomada da cidade amazônica de Mitú, em 1998, com saldo de 43 mortos e 61 sequestrados, e o massacre de Bojayá em 2002, onde 119 pessoas morreram em uma igreja refugiando-se de combates, marcaram essa época.

Talvez o fato mais lembrado pelo mundo seja o sequestro, em 2002, da pré-candidata presidencial colombiano-francesa Ingrid Betancourt, libertada seis anos depois pelo Exército. Seu cativeiro se tornou o símbolo do drama dos civis, policiais e militares detidos na Colômbia, alguns com até dez anos de cativeiro.

A primeira tentativa de negociação de paz entre o governo e as Farc começou em 28 de março de 1984, quando o presidente Belisario Betancur e a guerrilha instalaram uma mesa de diálogos em meio a uma trégua bilateral. Essas conversas fracassaram em 1987, assim como outras duas, iniciadas em 1992 com o presidente César Gaviria e, em 1999, com o presidente Andrés Pastrana. Esse último processo, que se estendeu até 2002, ficou conhecido como "Diálogos do Caguán", pela região de 42.000 km2.

Pontos já acordados
O primeiro acordo fechado nas mesas de negociações de Havana foi o de reforma agrária. Ele prevê a criação de um fundo de terras para ser distribuído entre campesinos sem terra e a implementação em grande escala de planos para promover bens e serviços públicos de infraestrutura e estradas, educação, saúde, moradia, entre outros. Também engloba um sistema de alimentação e nutrição para acabar com a fome no campo.

Outro ponto acordado foi a participação política dos guerrilheiros e da população das áreas impactadas pelo conflito armado. Ele prevê a inclusão de representantes dos territórios afetados pela guerra na câmara dos representantes, a eliminação de impedimentos para o surgimento de novos partidos políticos, a revisão da organização do regime eleitoral, o fortalecimento de meios de comunicação comunitários, entre outros pontos.

Sobre as drogas ilícitas, ficou acordado a implementação de um programa de substituição de cultivos ilegais com foco no desenvolvimento agrário, a criação de uma estratégia para desarticular as redes de narcotráfico e do crime organizado, o controle de produção de insumos para o tráfico, além do combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. O acordo também prevê que o consumo de drogas ilícitas será tratado pelo foco de saúde pública.

Já o pacto sobre as vítimas do conflito armado inclui cinco pontos principais: uma comissão para o esclarecimento da verdade, uma unidade especial de busca de pessoas dadas como desaparecidas pelo conflito, medidas específicas de indenização, pacote de garantias da não repetição do conflito e uma jurisdição especial para a paz. Este sistema jurídico vai definir o tratamento que receberão os responsáveis por delitos contra a humanidade e inclui penas alternativas de reclusão. Serão julgados guerrilheiros, militares, paramilitares e inclusive empresários que tenham financiado o conflito

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