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O Medo

Eudes Alencar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h48

Omedo é um elemento fundante em nossas histórias de vida. Uma pessoa sem medo é como alguém que sofre de analgesia congênita. Há consequências possivelmente mortais. Os psicólogos evolucionistas explicam o papel do medo como um tipo de ferramenta que dava aos nossos ancestrais maior chance de se safar de um predador ou de inimigos. O que equivaleria dizer, como piada talvez, que os covardes passaram seus gens adiante na cadeia evolutiva humana. Explica-se porque todos nós temos esse comichão interno a oxidar a vida, se com ele não sabemos lidar.
A emoção medo é multifacetada, plástica, sofisticada. Ele é útil como sinal de alerta que disparará uma cadeia de reações emocionais, fisiológicas e de raciocínio que nos ajudarão a tomar decisões em momentos de grave ameaça... ou não. O medo, quantas vezes, aparece em toda sua exuberância e nada há mais que fantasia de uma amígdala que vê o que não está lá e, irrefreável, produz a doença tão conhecida como ansiedade, esta com muitíssimas caras.
Nem toda ansiedade é ruim. De fato, ela é um mecanismo perfeitamente natural e de ajustamento.
A ansiedade ruim é quando nossas percepções estão doentes e desenfreadas, nos fazendo imaginar cenários distorcidos da vida e provocando sensações aterradoras e paralisantes. Fernando Pessoa falava de doenças e dores, mas aqui um fragmento de sua poesia nos serve: “Há angústias sonhadas mais reais / Que as que a vida nos traz, há sensações / Sentidas só com imaginá-las / Que são mais nossas do que a própria vida.”
Experiências danosas à nossa integridade, vivências traumatizantes imprimem registro profundos de medo que estarão ali à espreita, desencadeando reações tremendas ao menor cheiro de repetição da experiência. O medo pode ser incutido em nossa mente por outros. Nós pais temos muita culpa nisso. Transformamos o medo num cabresto, um chicote que deixará marcas inimagináveis no futuro do rebento.
Atribui-se a Nietzsche a frase: “A essência da felicidade é não ter medo”. Possivelmente porque o medo denunciasse a fraqueza humana que ele tanto deplorava. Mas ter medo é ser fraco? Ou é condição humana e até animal que não se pode remediar? Alguém sempre pode se drogar para não sentir medo, mas aí você não será você. O medo nos torna prudentes e cautelosos com o desconhecido. O medo dispara a síndrome do estresse que, ante uma ameaça, nos faz reagir: lutar ou fugir.
É curioso que a Bíblia nos apresente o medo num cenário antes idílico, o Jardim. O medo parece ser a primeira e a mais íntima emoção quando o homem, indagado por Deus, responde: eu me escondi porque tive medo. Estava com medo porque me percebi nu. Quem fez você saber que estava nu? Pergunta Deus.
As consequências deste episódio é um medo instalado nas funduras do cérebro. Ali, aninhado, ele parece determinar tanta coisa como se fôssemos seus marionetes. A gente pode escolher o que temer, contudo. Porque há uma diferença entre saber do temor e ser dominado por ele. Pessoa afirma em certo poema: Há tanta coisa que, sem existir, / Existe, existe demoradamente, / E demoradamente é nossa e nós...

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