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Armário de palavras

Ceres Costa Fernandes

Atualizada em 11/10/2022 às 12h48

Composto ao longo de 15 anos, o livro de crônicas, Armário de Palavras, de Joaquim Itapary, pode ser lido como um livro de memórias. As suas crônicas, publicadas semanalmente no espaço literário, infelizmente suprimido, de “Hoje é Dia de”, deste jornal, nos dão a chance de acompanhar a trajetória do autor nas mais diversas fases da sua vida: nesta, ele nos remete à infância em São Bento, noutras, voltamos com ele à juventude, nas peripécias colegiais ou, ainda, acompanhamos a sua vivência profissional e política, rica de realizações e experiências, do início à idade madura. Assim, o livro de Joaquim nos oferece a escolha de lê-lo ao correr da cronologia do texto ou de modo salteado em que cada crônica que se insere na trajetória de vida do autor pode ser destacada do livro como uma história completa e independente.
A crônica é um gênero múltiplo que permite mais de uma clave: cada crônica encerra-se redonda em si mesma ou, se o autor ou o leitor assim o quiser, pode, ao contrário do que acontece com o conto, por exemplo, amarrá-las a gosto em fio condutor.
Com técnica irreprochável, sintaxe clara, Joaquim presenteia-nos com textos fortes, nascidos de sua mundividência de homem lúcido, informado, engajado na luta contra o dilaceramento do Brasil e de uma São Luís em que presenciamos, atônitos, o desmoronar dos signos de seu passado. A santa ira aflora com ironia acre, embora sutil, na análise dos atos de políticos e administradores, vergastando sem dó o que merece ser vergastado.
Permeia seus escritos uma erudição leve, entrevista nas dobras do texto, reveladora das leituras e da cosmovisão do autor, que a aplica no momento exato, sem a ostentação dos que se empanturram de leituras e citações sem conseguir digeri-las. Vai de Virgílio a Neruda e Octávio Paz, passa por Raimundo Lopes, em Uma Região Tropical, e chega à singeleza de Humberto Maracanã, com a mesma leveza de mão. Sem deixar de citar sua fonte preferida: Padre Antônio Vieira.
Em outras, atento à fruição da vida, à estética da natureza e aos pequenos seres de Deus, o olhar poético de Joaquim deambula por praias, riachos e campos, a perceber cores, sons e perfumes da natureza com os quais se irmana e se confunde, transformando-nos, mercê de suas palavras, em encantados companheiros de jornada. E, de repente, lá estamos nós, refestelados em uma legítima tapuirana, a ver um bem-te-vi aqui, uma andorinha ali, admirando o espetáculo de seus voos, riscando o céu, com o paladar aguçado pelas frutas olorosas e sumarentas de seu quintal ou pelo queijo de São Bento, fresco e ainda morno, saboreado com café preto, forte e recém-coado.
Nessas crônicas, não raro as frases da prosa alinham-se em trechos com a sonoridade de poemas, em ritmos que registramos decassílabos ou redondilhas ou a musicalidade de aliterações, tais como a visão lírica dos guarás na crônica Sim, é triste o Mar: “Não raro, as ondas vazam sobre a areia, rubras rêmiges primárias perdidas na muda por essas aves maravilhosas”. Pura poesia.
É livro para relaxar, fruir e refletir, de leitura imperdível.

Ceres Costa Fernandes
Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras e da Academia Ludovicense de Letras

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