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Sua memória

Jose Ewerton Neto

Atualizada em 11/10/2022 às 12h49

Um belo dia, você lembra de que sua memória existe. Por uma notável coincidência, porque começou a esquecer de muitas outras coisas. Num dia você esquece da chave do seu carro, no outro da senha do seu celular, no outro do nome de seu filho... e até, por incrível que pareça, do seu próprio neto . Não é que você o deixou no banco de trás do carro quando saiu para comprar-lhe um game, foi tomar uma cervejinha e isso quase causou uma tragédia? Ora, como você já não é nenhum garotão desconfia que essa sua memória tem sérios problemas e é chegada a hora do ajuste de contas. Você começa:
“O que está acontecendo com você, Memória? De uns tempos pra cá, sinto que está me sacaneando, me traindo.”
“Você não devia falar assim comigo. Sou uma anciã de respeito e cumpro com minhas obrigações na medida do possível. Na verdade não sou eu que estou falhando, mas você.”
“Por que não me lembrou que ontem era o último dia de pagar a conta do IPTU sem multa? Por que não me avisou que o Armando (para quem estou devendo uma baita grana ) é flamenguista ao invés de vascaíno, deixando que lhe mandasse aquela piada de vascaíno vitorioso no domingo? Por que me permitiu falar o nome de Valdete, minha amante, no grupo de nossa família no what’s up? Que está acontecendo, vamos, me diga!”
“Não posso compensar suas trapalhadas o tempo todo. Você teria que se ajudar também, nunca se preocupou comigo, nunca correu pra se exercitar, nem gostou de ler. Sequer uma palavrinha cruzada de vez em quando.”
“Podia confiar em você no passado, hoje, claramente, não. Outro dia fui sair com a Valdete e ela jogou na minha cara que eu estava virando broxa. Fiquei espantado, onde já se viu? Ponderei que broxar uma única vez nunca significou impotência e ela me jogou na cara que não tinha sido uma só vez , porém mais de vinte. Mais de vinte? Que diabo era isso? Eu não me lembrava desses detalhes, mas o pior é que não tive convicção, entende? Deu-me um branco, deixei-a sair com ar de vitoriosa e simplesmente por quê? Por que você não faz seu ofício direito. Assim não dá.”
“Memória seletiva, seu ingrato! Você teria preferido que eu lhe lembrasse seus fracassos? Obsessivo, você teria gasto sua grana, com psicanalistas, quem sabe teria tentado o suicídio. Quanta grana lhe salvei fazendo-o esquecer tantas coisas! Seu apelido de infância era Boca de Chuveiro , lembra? Claro que não, já que eu lhe fiz esquecer. Quer que eu lhe reviva o tempo em que você que você riu do seu tio padre, quando este estava no caixão e você se retirou para dar gargalhadas no banheiro só porque o viu pela primeira vez sem barba? Acontece que hoje, cada dia a mais em sua vida vem se juntar a um monte de registros acumulados que eu tenho que guardar. E quem tem de trabalhar dobrado para lidar com esse lixo sou eu. É lixo demais para uma vida só!”
“Lixo? Isso não vai ficar assim. Vou procurar um médico e ele me dirá o que fazer. Ou troco de memória ou faço outra. Com você eu não fico mais.”
- Quantos anos você tem mesmo?
- 55.
- Mentira, você tem 59. E daqui a pouco tempo estará com Alzheimer. Não é você que não me quer, eu é que não quero mais seu corpo comigo. Bye, Ciao, Até Logo, ou Au revoir, a porta da rua é a serventia da casa!

Jose Ewerton Neto
Autor de O A-B-C bem-humorado de São Luís

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