Espanha

Na Espanha, moradias vazias esperam refugiados que nunca chegaram

País recebeu apenas uma dúzia de imigrantes, mas municípios autodeclarados ''cidades-refúgio'' criaram condições para receber 20 mil; administrações locais culpam governo e plano da União Europeia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h50

Barcelona - Enquanto vários países europeus - como Alemanha, Suécia e França - enfrentam sérias dificuldades para lidar com a chegada de centenas de milhares de refugiados vindos da Síria, Iraque e outros países afetados por guerras ou conflitos no Oriente Médio e norte da África, moradias preparadas para acolher milhares de imigrantes na Espanha continuam vazias.

Assim que imagens de imigrantes fazendo perigosas travessias de barco no Mediterrâneo começaram a correr o mundo, cidades espanholas como Barcelona, Madri e Valência se autodeclararam "cidades-refúgio" e começaram a tomar iniciativas para receber parte deles.

Os preparativos ganharam ímpeto em setembro passado, com o anúncio do plano da Comissão Europeia de dividir a acolhida de 160 mil imigrantes entre os 28 países membros da União Europeia.

Administrações regionais e entidades civis da Espanha correram para preparar moradias públicas e privadas para recebê-los. Seis meses depois, porém, elas continuam vazias: das cerca de 20 mil pessoas que o país deveria abrigar, chegaram oficialmente apenas uma dúzia, segundo informações do governo da Catalunha.

Refugiados

Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur), são poucos os refugiados que estão aceitando ser alocados pelo plano da Comissão Europeia. A maioria deles que tentar a sorte em países como Alemanha, Suécia e Grã-Bretanha, o que tem gerado um grande fluxo em direção ao norte e ao noroeste do continente europeu.

Para os governos regionais espanhóis que se prepararam para acolher refugiados, entretanto, houve pouco esforço por parte do governo nacional para atraí-los.

Frustração

Assim como Barcelona, Madri e Valência, vários outros municípios espanhóis se autodeclararam "cidades-refúgio", destinando verbas para moradias e elaborando estratégias para a acolhida dos imigrantes.

Diante da comoção gerada por histórias como a do menino sírio Alan Kurdi, que morreu em setembro em um naufrágio e se transformou em um dos símbolos da crise ao ter o corpo fotografado em uma praia da Turquia, cidadãos espanhóis fizeram tantas ofertas de ajuda que as prefeituras tiveram de se organizar para canalizá-las.

Como resultado desse processo, hoje há um amplo cadastro de voluntários e entidades dispostos a ajudar, mas sem ter a quem. "Os prefeitos e as cidades têm um papel muito importante na acolhida dessas pessoas, se nos deixarem ajudar", afirma Ramon Sanahuja, diretor do Serviço de Atenção aos Imigrantes, Estrangeiros e Refugiados da Prefeitura de Barcelona.

Na cidade, um dos símbolos desse esforço - até agora em vão - é a histórica Casa Bloc, conjunto habitacional de caráter social localizado no distrito de Sant Andreu.

Um de seus edifícios passou por reformas para que pudesse receber mais de 200 refugiados, segundo a Agência de Habitação do governo da Catalunha, dono do imóvel.

Como continua vazio, a gestão catalã resolveu abrigar nele, a partir do fim deste mês, 30 refugiados da Ucrânia, país europeu que viveu revoltas e sucessivas crises nos últimos anos.

E não são apenas prédios públicos que foram preparados: há várias residências familiares à espera de migrantes, assim como locais de propriedade de entidades civis.

Plano em xeque

As críticas das administrações regionais se concentram naquilo que chamam de "inércia" dos governos e de fiasco do plano europeu.

"O programa europeu de realocação de refugiados é um fracasso absoluto e estrondoso. É ridículo que Estados com grandes capacidades logísticas não tenham acolhido nem a quantidade mínima de pessoas", diz Sanahuja, da Prefeitura de Barcelona.

Ele reclama da divisão de cotas entre os países. "Estamos preparados para receber refugiados em Barcelona. Antes da crise, recebemos 80 mil imigrantes econômicos só em 2005, muitos vindos da América Latina, inclusive do Brasil. Para a Espanha toda, receber 20 ou 30 mil é algo que o país pode assumir. Não é muito", avalia.

O secretário de Igualdade, Migrações e Cidadania da Catalunha, Oriol Amorós, afirmou à BBC Brasil que a "falta de vontade política" deve explicar a falha do plano anunciado em setembro por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia.

"A política de refúgio é uma competência do Estado, mas os processos de acolhida e integração das pessoas refugiadas ocorrem no território (regional), onde elas passam por serviços públicos. O problema é que o Estado espanhol não nos informa que refugiados enviarão à Catalunha. Nem quando, nem quantos", critica Amorós.

Para a Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado, o plano fracassou "porque já nasceu desatualizado".

"É preciso criar um mecanismo permanente de realocação", aponta a porta-voz Núria Díaz. "Pedimos que os líderes europeus façam uma reflexão sobre o processo. Faltam vontade política para acolher essas pessoas e solidariedade com países como Grécia e Itália, que estão transbordados", acrescenta.

Em meio às críticas, a Comissão Europeia afirma que continua trabalhando por uma solução. O órgão afirma que é necessário mais esforço em todas as frentes, sobretudo na realocação.

O colegiado, o braço executivo da União Europeia, afirma que "os compromissos feitos" somente trarão resultados "se as instituições e os Estados-membros atuarem juntos, de forma coordenada."

A crise continua

Segundo dados do Acnur na Espanha, 130 mil refugiados e imigrantes chegaram ao continente pelo mar Mediterrâneo só nos primeiros dois meses deste ano. Destes, 120 mil aportaram na Grécia, 9 mil na Itália e 458, na Espanha.

Há um total de 410 mortos e desaparecidos só em 2016.
"O Acnur está preocupado com as recentes práticas restritivas adotadas em vários países europeus, que estão colocando empecilhos adicionais e injustificados a refugiados e solicitantes de asilo", afirma nota da entidade.

Conforme a Agência da ONU para os Refugiados, isso gera "caos em vários pontos fronteiriços" e submete a Grécia "a uma pressão especial, ao ter de enfrentar a gestão de maiores fluxos de pessoas com necessidade de alojamento e serviços".

Frase

"Os prefeitos e as cidades têm um papel muito importante na acolhida dessas pessoas, se nos deixarem ajudar"

Ramon Sanahuja

Diretor da Prefeitura de Barcelona

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