No interior do MA

Arqueólogos desenterram cemitério indígena na baixada maranhense

Descoberta foi feita em Santa Helena

Adriano Martins / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h51

SÃO LUÍS - Josenias Amaral dos Santos, assim como a grande maioria das pessoas que cresceu à beira dos campos alagados na Baixada Maranhense, principalmente nos municípios de Santa Helena, Penalva, Pinheiro e Olinda Nova, vivia juntando cacos de cerâmica, pedaços de pedras e até mesmo peças inteiras, como pequenos vasos e cachimbos, que eram encontrados na água. Na época, ele não tinha muita consciência do que era aquilo, só ouvia o relato dos mais velhos de que eram objetos dos índios, mas hoje, aos 49 anos, ele tem consciência de que os “caquinhos” encontrados fazem parte da história de um povo anterior ao seu, e cuja importância para o entendimento da humanidade é crucial. Tanto que, ao encontrar um enorme vaso enterrado no interior do seu quintal, ele foi atrás de alguém “mais entendido do assunto” e se encontrou com o professor Alexandre Navarro, arqueólogo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que lhe contou ser aquele vaso uma urna funerária e que provavelmente o terreno onde estava sua casa seria um antigo cemitério indígena.

Lá pelo começo do século XX, há mais ou menos 100 anos atrás, o professor Raimundo Lopes desbravava os lagos da Baixada Maranhense e descobria que, centenas de anos antes dele colocar os pés naquelas regiões, diversas sociedades complexas e extremamente povoadas viviam sobre aquelas águas, criando verdadeiras “cidades flutuantes”,com até dois quilômetros quadrados de extensão e milhares de moradores. Eram o “Povo da Água”, que cortavam, na base da machadinha de pedra, os poderosos troncos de madeira de lei, como pau d’arco e pau santo, e construíam suas casas em formatos de palafitas, sobre estruturas chamadas esteios, dentro dos rios e lagos, daí que ficaram conhecidas como estearias.

Hoje, início do século XXI, outro grupo de pesquisadores, dessa vez liderados pelo professor Alexandre Navarro, retornaram aos mesmos locais e retomaram o trabalho de Lopes, desbravando ainda mais a região e relatando novas descobertas a respeitos desses povos que viveram entre 1500 e 1000 anos antes de nós, e cuja existência só pode ser observada nesta parte do Brasil, tornando-os assim, únicos na pré-história brasileira.

Uma dessas descobertas é justamente o cemitério na casa de Josenias. Até então, as pesquisas realizadas apontavam a forma de vida desses povos, mas não dizia como eles enterravam seus mortos. Fato que pode ter sido elucidado agora. “Acreditamos que eles viviam nos lagos e rios e enterravam seus mortos em montes, próximos a esses lugares”, explica o professor Alexandre, destacando que sempre próximos a onde estavam essas comunidades, pode ser localizado alguma elevação que não era utilizada como morada, mas como cemitério.

Uma busca no terreno onde fica a casa de Josenias serviu para corroborar a tese do professor, visto que mais quatro urnas, parecidas com a primeira, foram encontradas espalhadas pelo local. E a lógica, segundo Navarro, é que o local esteja cheio de outros depósitos de ossos.

Só que os depósitos estão vazios. As chances de se encontrar um osso no local são as menores possíveis, devido a uma série e fatores, como a qualidade do solo, que é argiloso e bastante ácido, os ritmos das cheias, as chuvas e animais escavadores comuns na região, como os tatus, que podem ter revirados as urnas.

Novos achados

Além das urnas funerárias e do cemitério indígena, a equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) conseguiu identificar, com a ajuda de moradores locais, mais dois sítios arqueológicos ricos em materiais para pesquisa. Dessa vez as margens do Rio Paruá, um dos afluentes do Rio Turiaçu.

Fernando Ferreira, pescador e morador do povoado de São Bento, foi um dos que ajudou a equipe do professor Alexandre Navarro nessa empreitada. Ele conta que sua avó era índia, e que sempre falava do tempo em que havia aldeias no local, em terra seca. Ele mesmo cresceu catando cerâmicas indígenas no rio, e sua avó dizia que era de povos antigos, de muito antes dela.

Daí que ele levou os arqueólogos até o meio do rio, que esta época do ano está completamente seco, devido ao período prolongado da estiagem, e ia arrancando, com as mãos do meio da lama negra, os cacos de artefatos indígena de centenas, talvez milhares, de anos atrás. Outro sítio no mesmo rio mostrava os esteios pregados no chão e as milhares de peças quebradas jogadas pelo fundo do rio seco. “Me sinto alegre em falar e representar meus antepassados que construíram isso aqui”, ressalta o pescador, evocando seus ancestrais indígenas.

Quem eram esses povos?

Ainda hoje os pesquisadores não têm conhecimento de quem eram os povos que habitavam os lagos e rios da Baixada Maranhense, sabe-se, contudo, que eles só existiam ali em todo o Brasil. Apesar de que existam relatos de que outros povos lacustres possam ter vivido na Amazônia, nunca foram encontradas evidências reais, como as achadas em Santa Helena, Penalva, Pinheiro e Olinda Nova.

Para o professor Raimundo Lopes, que foi o primeiro a estudar essas comunidades em 1916, essas seriam populações tardias de filiação amazônica que migraram para a região da Baixada. O pesquisador Olavo Correia Lima, ressalta que esses povos seriam grupos Nu-arawakque, expulsos anos mais tardes pelos Tupi-guaranis. Já o arqueólogo Deusdedit Carneiro Leite Filho argumenta que as estearias foram formadas por grupos intrusivos na região que se organizaram em aldeias autônomas ou inversamente em um conjunto de habitações com algum vínculo político entre si dado sua homogeneidade cultural e contemporaneidade.

Objetivos

O objetivo final da pesquisa do professor Alexandre Navarro é elaborar uma carta arqueológica a respeitos dos povos que habitavam a Baixada Maranhense. Uma carta arqueológica é um tipo de registro que busca inventariar os sítios de uma determinada área geográfica definida pelo pesquisador, para posterior estudo e interpretação.

A produção desse projeto é de extrema importância primeiro porque é um tipo de sítio arqueológico, até onde se sabe único no contexto da Pré-História brasileira; segundo, por terem sido muito pouco estudadas; terceiro, porque ainda estão muito bem preservadas dado seu contexto aquático e por fim, por apresentar iminentes riscos de destruição, já que algumas barragens serão construídas na região.

Sítios arqueológicos encontrados

Ponta d’Areia do São Bento (Rio Paruá)

Goiabal (Rio Paruá)

Florante (Rio Turiaçu)

Boca do Rio (Rio Turiaçu)

Armindio (Rio Turiaçu)

Caboclo (Rio Turiaçu)

Quebra-pote (Rio Turiaçu)

Encantado (Pinheiro

Coqueiro (Olinda Nova)

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.