Ramadi

Retomada pelo Iraque, Ramadi enfrenta agora cicatrizes pós-EI

Cidade foi reconquistada há poucos dias pelas forças iraquianas e celebrada como um grande golpe para o Estado Islâmico; muitas ruas sumiram, ou estão cobertas de escombros, ou bloqueadas pelas trincheiras usadas nos combates

Atualizada em 11/10/2022 às 12h51
Forças iraquianas e da elite antiterrorismo ajudam civis a cruzar rua durante batalha contra o Estado Islâmico na cidade de Ramadi, no Iraque
Forças iraquianas e da elite antiterrorismo ajudam civis a cruzar rua durante batalha contra o Estado Islâmico na cidade de Ramadi, no Iraque (Forças iraquianas e da elite antiterrorismo ajudam civis a cruzar rua durante batalha contra o EI)

Bagdá - Enquanto seu veículo blindado pulava ao longo de um caminho de terra construído em meio às ruínas dessa cidade reconquistada recentemente, o general Ali Jameel, um oficial iraquiano de contraterrorismo, fazia comentários sobre os lugares pelos quais passava.

Aqui estavam as carcaças de quatro tanques, carbonizadas pelos militantes do Estado Islâmico. Aqui, a casa de um policial, explodida pelos terroristas. Aqui, uma residência reduzida a escombros por um ataque aéreo. E aqui outra. E outra.

Em um bairro, ele parou diante de um panorama de destroços tão vasto que não dava para ver claramente onde estiveram os edifícios originalmente. Ele fez uma pausa quando foi questionado sobre quantos moradores voltariam para suas casas. "Casas?", disse. "Não existe nenhuma casa."

A retomada de Ramadi pelas forças iraquianas, há poucos dias, celebrada como um grande golpe para o Estado Islâmico e como uma demonstração da eficiência da estratégia da administração Obama para combater o grupo por meio do apoio a forças terrestres locais com ataques aéreos intensos.

Mas a destruição generalizada de Ramadi testemunha os enormes custos de desalojar um grupo que se insere no tecido urbano das comunidades, ocupando casas, cavando túneis e espalhando explosivos.

A coalizão liderada pelos EUA que bombardeia o Estado Islâmico diz que a campanha aérea está funcionando e que o grupo perdeu 30% do território que controlava no Iraque e na Síria.

Derrota do EI

O primeiro-ministro do Iraque, Haider al-Abadi, prometeu que 2016 será o ano em que o Estado Islâmico estará "terminado no Iraque". Ainda assim, a questão que permanece é o que tal vitória deixaria como rastro.

Os sucessos da coalizão em Kobanî, na Síria, e em Sinjar, no Iraque, também deixaram comunidades em ruínas, com muito pouco a ser reconstruído.

E derrotar o Estado Islâmico exigirá retirá-los das cidades muito maiores de Raqqa, na Síria, e Mossul, no Iraque, bem como de muitas outras cidades e aldeias.

Durante uma visita na quarta-feira da semana passada, as explosões de fogos de artilharia enchiam o ar, seguidas por nuvens de fumaça que subiam no horizonte. Dois helicópteros de ataque iraquianos circulavam, e jatos da coalizão internacional roncavam sobre nossas cabeças.

Antes da ofensiva, houve questionamentos sobre qual parte do aparelho de segurança do Iraque deveria liderar o combate.

O Exército iraquiano, que perdeu a cidade para o Estado Islâmico em maio, ainda é pouco respeitado. As milícias xiitas, que se mostraram eficazes em batalhas contra os jihadistas, são geralmente indesejadas em áreas sunitas e foram acusadas por grupos de direitos humanos de realizar ataques de vingança.

No final, parece que os pesados ataques aéreos da coalizão abriram caminho para o Serviço de Contraterrorismo Iraquiano, considerado a força de segurança mais profissional e de maior capacidade no país.

Formado pelos Estados Unidos há cerca de uma década, ainda recebe treinamento e apoio das Forças Armadas dos EUA e opera exclusivamente sob as ordens do gabinete de Abadi.

O Exército iraquiano tinha pouca presença, limitada aos postos de artilharia regulamentares e aos postos de controle instalados fora da cidade, alguns dos quais ostentavam, de forma provocativa, bandeiras de mártires xiitas.

Também não havia muito sinal dos milhares de combatentes sunitas recentemente treinados pelos Estados Unidos para se unir à luta contra o Estado Islâmico.

Autoridades iraquianas e da coalizão disseram que eles não foram considerados tropas de combate, mas foram usados para manter áreas conquistadas por outras forças.

Cicatrizes

As cicatrizes da guerra em Ramadi eram visíveis em praticamente qualquer lugar. Muitas ruas sumiram, ou estão cobertas de escombros, ou bloqueadas pelas trincheiras usadas nos combates.

Para chegar a seu centro de comando, no sudoeste da cidade, as forças iraquianas adentraram por uma sinuosa trilha de terra esburacada através de bairros cheios de casas que desabaram, fachadas de lojas cheias de estilhaços e crateras do tamanho de piscinas, deixadas pelos ataques aéreos. Uma delas estava cheia de água verde, aparentemente vinda de uma rede de esgoto danificada.

Áreas inteiras são consideradas zonas proibidas, porque ainda precisam passar pelo rastreamento de armadilhas deixadas pelos jihadistas.

Poucos civis restaram de uma população que já foi de cerca de 400 mil pessoas, e a cidade não tem eletricidade nem água potável, o que significa que o abastecimento deve ser trazido de caminhão. Veículos blindados e tanques de combustível e água provocam grandes congestionamentos.

Dois rios cortam a cidade, mas os jihadistas explodiram pontes que ligavam bairros, enquanto batiam em retirada, o que significa que aquilo que costumava ser um trajeto curto agora exige um longo desvio no sul da cidade para atravessar uma ponte flutuante fornecida pelos Estados Unidos.

A rota passa pela Universidade Anbar –cujas paredes estão recheadas de buracos de bala– e leva ao complexo do governo no centro, local cuja captura pelas forças iraquianas, em 28 de dezembro, levou-os a anunciar a libertação da cidade.

Ele permanece deserto, com exceção de um contingente de tropas iraquianas que não circulam muito pelos arredores, já que combatentes do Estado Islâmico ainda conseguiram atingir o lugar com tiros de morteiro.

A fachada de vidro da delegacia está estilhaçada, e a polícia fica em uma casa mais afastada das linhas de combate.

No telhado de uma casa que serve como centro de comando, um oficial em uma mesa coberta com um mapa da cidade fazia malabarismos com quatro walkie-talkies e três iPhones. Anotava coordenadas recebidas do campo em árabe e as retransmitia em inglês para alguém com sotaque britânico.

Túneis

Um passeio pelo bairro ofereceu um panorama de como os jihadistas tinham lutado. Túneis construídos sob ruas e passagens entre casas foram obscurecidos por lonas ou ripas de madeira para esconder os movimentos dos combatentes dos drones de vigilância.

O comandante da força, o tenente-general Abdul-Ghani al-Asadi, disse em entrevista que o Estado Islâmico dependia muito de explosivos colocados em estradas e edifícios para se defender e de homens-bomba suicidas para realizar ataques.

Algumas poucas centenas de jihadistas foram mortos, disse ele, a maioria deles em ataques aéreos. Muitos poucos foram feitos prisioneiros. "Eles não se rendem", disse Asadi. "Eles se explodem."

Autoridades iraquianas e da coalizão culparam os terroristas pela destruição da cidade. Eles colocaram minas em estradas e edifícios e detonaram as casas de qualquer pessoa ligada ao governo iraquiano.

"Nesta semana, eles detonaram explosivos no piso térreo do hospital geral de Ramadi, o maior da província, e danificaram o edifício enquanto as forças de segurança se aproximavam", disse Asadi.

O porta-voz do Pentágono no Iraque, coronel Steven H. Warren, disse que "100% disso é culpa do EI, porque ninguém iria lançar nenhuma bomba se o EI não tivesse entrado lá".

Mas a forte dependência do poder aéreo também teve, claramente, seu papel. A coalizão lançou mais de 630 ataques aéreos na região desde julho, e Asadi disse que sua força de contraterrorismo avançou somente depois que a coalizão abriu caminho.

As autoridades locais temem que o dinheiro necessário para reconstruir a cidade não apareça, dada a magnitude das necessidades e os efeitos desastrosos da baixa dos preços do petróleo sobre o orçamento do Iraque.

Os Estados Unidos e seus aliados prometeram US$ 50 milhões para um fundo das Nações Unidas para a reconstrução do Iraque, mas Sabah Karhout, chefe do conselho provincial de Anbar, estimou que a reconstrução da cidade exigiria US$ 12 bilhões.

"Ramadi é uma cidade de fantasmas", ele disse. "Se não houver um sério esforço internacional, não vai ser reconstruída."

Acampamento

Esses esforços serão fundamentais para que os ex-moradores da cidade possam voltar. Muitos habitantes de Ramadi procuraram refúgio em um acampamento que não para de crescer no leste da cidade.

Khalida Ali, de 56 anos, e sua família de nove pessoas permaneceram na cidade quando os militantes conquistaram Ramadi, em maio.

Mesmo evitando sair de casa, combatentes mascarados em roupas afegãs a incomodaram no mercado uma vez por não usar vestido preto e cobrir o rosto. Depois, eles prenderam o irmão do seu marido, um policial, e o degolaram na rua, ela disse, enquanto falava de dentro da tenda onde vive agora.

Os terroristas impediram os civis de sair, em um esforço para dissuadir ataques aéreos, ela disse, mas depois que as forças iraquianas entraram na cidade, sua família se juntou a um grupo que formava um bloco para as linhas de combate.

No caminho, alguém disparou uma armadilha, que matou a esposa do seu filho e o filho recém-nascido deles.

Ali não sabia se sua casa tinha sido danificada desde que saiu, mas prometeu retornar. "É o lugar em que nascemos", disse ela. "Não podemos deixar Ramadi."

------------------------

Mais

As autoridades iraquianas disseram que suas forças agora controlam 80% de Ramadi, cerca de 112,5 km a oeste de Bagdá. A cidade é capital da província de Anbar, dominada pelos sunitas, e a luta na periferia da região continua.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.