Artigo

Observando Nauro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h52

Desde o triste dia 28 de novembro do corrente, muitos irmãos de arte passaram em revista o mármore ideal da poesia de Nauro Machado.

Por esse motivo, por conta de tantas e tamanhas contribuições, abstenho-me em dissecar a sua pena e o cerne da sua arte escrita. Muitos ainda o farão, com toda certeza, mais e melhor.

Nesse momento, prefiro juntar-me à oportuna indagação do professor e médico Natalino Salgado Filho: “como medir um poeta?” Tarefa de Hércules tal aferição, ao que parece. Principalmente no caso deste homem, que empreendeu uma poesia que é o osso do seu próprio osso.

Limito-me, pois, a fazer breves menções enquanto observador e admirador distante. Como um sentimental juntador de cacos, contemplando o vazio doído deixado por alguém tão longe e ao mesmo tempo tal próximo.

Por isso, sinto-me mais afetivamente atraído a abordá-lo como monumento vivo, talhado profundamente com o cinzel do tempo. Daqueles que podemos encontrar na virada de qualquer esquina. Misturado com os carros, com os ambulantes, com a fumaça, com as pedras soltas do calçamento, como a fazer parte de um exercício do caos. Como parte da nossa escassa ambiência, tão desambientada da gema da autenticidade.

O autêntico começa com o tombamento do registro do seu nome no mundo: Nauro. A sonoridade incomum desse prenome ganha tônus quando, junto com Nauro, ainda se têm os seus irmãos Mauro e Dauro. Como fugir do irresistível apelo poético que emana da sonoridade de nomes tão próximos?

Além da sonoridade de um nome tão unívoco, tem-se a sua figura pública, que sempre atiçou a minha curiosidade provinciana. Ali ia ele, ora pelo calçamento judiado do Centro Histórico, ora pela tortuosidade mal planejada do Jardim Renascença. À passo ginástico, mas sem impor a sua presença. Focado no seu andar, fendendo o solo uterino da sua terra-mãe.

E curioso eu via esse homem com barbas de patriarca, que se algodoavam em nuvenzinhas brancas. Pisava e repisava no nosso solo físico e moral tantas e tantas vezes que me perguntava o sentido de toda aquela andança. Seria o poeta um “mártir de uma causa condenada”, a andar insistentemente pela tortura do nosso passeio público, como a nos desafiar a cumprir junto com ele essa via crucis?

Quero crer que não. Olhando-o, parecia um homem que tinha vergonha das excelências que lhe davam e, por esse motivo, pouco afeito a lançar desafios a terceiros. Parecia mais alguém que queria cumprir por meio dos seus passos infindos uma parte necessária da sua introspecção e da construção criativa da sua obra.

Sobre essas andanças, ele conferiu o seguinte registro na crônica Quando as palavras vêm: “por mais que andemos e andemos, seguindo e voltando para o mesmo ponto de partida, como se o centro de tudo nunca pudesse de nós de afastar...”

Com a subida do poeta para além do solo físico tão palmilhado pelas suas discretas sandálias, perdemos uma referência poético-visual e, acima de tudo, afetiva. Afinal, acredito que todos podemos nos apegar ao cultuado, mesmo olhando-o afetivamente à distância. Nada mais poético.

Bruno Tomé Fonseca

Procurador do Estado do Maranhão, advogado, escritor, professor universitário

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