Artigo

O Cinema Independente dos EUA, Drugstore Cowboy

Atualizada em 11/10/2022 às 12h52

Uma das características mais notáveis do cinema independente dos Estados Unidos é sua temática contemporânea. Outra, sua problematização. Ou seja, não se escorrega pela falsificação da vida e escamoteação de seus dramas. Ao contrário, vai-se direto e fundo em algumas das mais graves questões que assoberbam a sociedade atual do país. Como em geral (ou totalmente) esse cinema é realizado por jovens, em torno deles e seus dilemas é que se alicerça sua filmografia.

É o caso de Drugstore Cowboy (Idem, EUA., 1989), de Gus Van Sant (1953-), responsável, também, pelo bom Garotos de Programa (My Own Private Idaho, 1991) e pelos fracos Até as Vaqueiros Ficam Tristes (Even Cowgirls Get the Blues, 1994) e Um Sonho Sem Limites (To Die For, 1995).

Drugstore Cowboy é da linhagem de Garotos de Programa, versando aspectos cruciais do vazio existencial de grande parte da juventude estadunidense do pós-guerra do Vietnã, despida de princípios e destituída de ideais, que chafurda na droga e na sua direta consequência, o crime, a princípio de furto, depois de roubo e, em seguida, de agressões físicas, quando não de morte.

Van Sant atinge o centro nervoso da motivação do drogado, captando, de maneira desataviada, seu comportamento e maneira de atuação, construindo quadro abrangente do ambiente que cria em torno de si e no qual se revolve. Radiográfica e despretensiosamente, indo ao cerne da questão, giza todo um modo de vida a que se chega por vias e desvios múltiplos.

Como filme sério que é e não mero produto industrial, nele não há efeitos apelativos. A violência (parca) que focaliza não advém de propósito comercial, resultando do contexto.

À seriedade alia-se a autenticidade numa realização não capitalista, já que executada apenas com os recursos necessários à sua efetivação e não como produção industrializada destinada ao consumo e ao lucro.

O filme é drama, mas, não “dramatiza” as situações e muito menos a problemática de suas personagens, enfocando-as, ao contrário, nos limites de sua manifestação e de conformidade com sua natureza, portanto, sem deturpações, exageros e manipulações. Por isso, não configura espetáculo, mas, reconstituição ou recriação de dado concreto da realidade.

O drama das personagens não é só delas, mas, de largas camadas da juventude contemporânea, não só dos EUA, mas, de todo o mundo, causado, em grande parte, quando não só, pelo vazio existencial produzido pela sociedade consumista, desprovida de ideais, motivações e desejos que não sejam o consumo, as aparências e a ostentação. Em Drugstore, como em Garotos de Programa, enfoca-se o reverso das exterioridades, ou seja, justamente a face que se procura geralmente encobrir e enfeitar, falsificando a realidade.

Os filmes comerciais fogem da verdade. O cinema independente, inversamente, a entroniza, fazendo dela seu leit-motiv, sua razão de ser e seu objetivo.

Drugstore Cowboy é tão preciso que até mesmo a atitude do protagonista de se recuperar faz-se de maneira racional e desdramatizada, como prolongamento natural de situação pessoal que alcança ponto máximo de saturação. Nem por isso os ventos que antes semeara deixam de se transformar em tempestade.

Se o filme é antes documento ou radiografia de uma época do que obra esteticamente burilada ou elaborada, nem por isso deixa de compor uma estética da simplicidade. Das coisas como elas são.

(Do livro Cinema Contemporâneo dos Estados Unidos, em preparo)

Guido Bilharinho

Advogado, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história do Brasil e regional

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