Dia da Consciência Negra

Racismo é muito praticado, mas pouco punido no Maranhão

Segundo representante do Centro de Cultura Negra, crime é comum no estado, mas ainda é pouco denunciado

Poliana Ribeiro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h53
Dia da Consciência Negra é celebrado hoje
Dia da Consciência Negra é celebrado hoje

Não é apenas uma ofensa, é um crime! Mas, apesar de a Lei 7.716, que prevê punições para quem cometer preconceito racial, ter completado 25 anos no ano passado, poucas pessoas são presas no Brasil pelo crime de racismo. E embora muitos avanços tenham sido conquistados pelo movimento negro nos últimos anos, casos de preconceito e discriminação ainda fazem parte do cotidiano.

No Maranhão essa realidade não é diferente. No estado onde a maioria da população é negra, o preconceito racial ainda faz parte do dia a dia de uma parcela significativa da população, embora os casos que chegam ao conhecimento público não sejam numerosos e os que são denunciados e levados ao âmbito judicial sejam menores ainda.

Um dos mais recentes foi o que envolveu o fiscal de loja Elisvaldo Viana Gomes, de 26 anos, e uma advogada, no início deste mês. Uma simples discussão de trânsito virou caso de polícia, após Elisvaldo ter sido xingado com termos racistas. “Por ser advogada, ela deveria entender o peso de uma palavra, o quanto é importante pensar antes de falar. Não podemos nos deixar intimidar. Quantos casos acontecem por aí? Mas as pessoas têm medo de denunciar. Isso é um absurdo, em um país tão misturado”, brada Elisvaldo Gomes, que registrou Boletim de Ocorrência na polícia e está aguardando audiência. “Ela não se retratou, não pediu desculpas. Quis me dar cesta básica para eu deixar isso de mão. Mas eu vou em frente, porque isso tem que parar”, destaca.

No caso de Elisvaldo Viana Gomes, como em tantos outros, há a tentativa de tipificar a ocorrência como injúria racial, que tem penas mais brandas, e não como racismo, que é considerado crime inafiançável e imprescritível. “Por causa da questão do bullying, muitas pessoas preferem qualificar vários casos como injúria racial e não racismo. Infelizmente, ainda não vimos uma pessoa ser realmente punida por racismo no Maranhão”, lamenta Ana Amélia Bandeira, do Centro de Cultura Negra (CCN).

Segundo Ana Amélia, o CCN acompanha as denúncias de racismo que ocorrem no Maranhão. “Todo dia acontece, mas o que é denunciado é muito pouco. “Em 2008, teve um caso de uma menina que sofreu discriminação em uma loja de conveniência. A empresa a indenizou, mas o recurso financeiro não é nada. Você fica com uma série de sequelas emocionais”, afirma. Ela ressalta ainda que as estatísticas envolvendo a população negra são as piores. “A maioria das mulheres assassinadas são negras”, enfatiza Ana Amélia, fazendo referência ao Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres, divulgado no início deste mês. Segundo o Mapa, o número de mulheres negras mortas cresceu 54% em 10 anos.

Ana Amélia Bandeira, integrante do Centro de Cultura Negra
Ana Amélia Bandeira, integrante do Centro de Cultura Negra

Preconceito racial na internet

Nos últimos anos, o racismo no Brasil tem ganhado contornos mais cruéis com a popularização das redes sociais. Protegidos pela tela do computador, muitas pessoas aproveitam a “liberdade” para expor seu preconceito. A vítima mais recente desse tipo de situação foi a atriz Taís Araújo, que foi alvo de comentários racistas em sua página no Facebook, no final do mês passado. Outra celebridade que também passou pela mesma situação foi a jornalista Maria Júlia Coutinho, que apresenta a previsão do tempo no Jornal Nacional.

“A gente sabe que a rede social trabalha para o bem e para o mal. As pessoas que se escondem por trás de uma rede social acham que o negro já nasceu predestinado a ficar por baixo. A gente fica triste com esse tipo de situação, pois essas atitudes racistas mexem com todos nós”, afirma Ana Amélia Bandeira, do CCN.

Educação pode ser a chave para a mudança

Mas a integrante do movimento negro no Maranhão afirma que para combater o racismo é preciso destacar os exemplos positivos, além de investir na educação. “Esses casos de racismo devem ser combatidos, mas também devemos ressaltar os exemplos positivos. O movimento negro teve muitas conquistas nos últimos anos. Há 10 ou 15 anos, o acesso a universidades era difícil, mas hoje em dia temos a política de cotas. Seria interessante que fizessem um levantamento de quantos negros existem em posições de destaque, quantas mulheres negras são gestoras. Mostrar esses bons exemplos também é importante”, garante Ana Amélia.

A representante do CCN acredita que o ensino da cultura afro-brasileira deve ser implantado desde a base educacional. Mas, apesar da existência da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatórias aulas de história e cultura afro-brasileira, a maioria das escolas não aborda o assunto de forma mais aprofundada. “Ainda não conseguimos implantar de fato essa lei. Temos escolas que desenvolvem trabalhos pontuais, mas ainda existe muita desinformação e despreparo para garantir o ensino da cultura afro-brasileira desde a base educacional”, observa.

Semana da Consciência Negra

Hoje (20) é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, instituído desde 2003, por meio da Lei 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data coincide com a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, símbolo da resistência do negro contra a escravidão.

Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra
Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra

No Maranhão, as entidades que integram o movimento negro, como o CCN, realizam desde o dia 14 uma vasta programação, que prossegue até o dia 29 deste mês. Dentro da 36ª Semana da Consciência Negra do Maranhão, já foi realizado o III Encontro do Movimento Negro Maranhense, que este ano teve como tema: Movimento Negro Organizado – Histórias, Lutas e Conquistas em Defesa dos Direitos Humanos da População Negra Urbana e Rural. Ainda como parte da programação, 228 integrantes do movimento negro do Maranhão participaram da Marcha das Mulheres Negras, realizada na última quarta-feira, em Brasília. Visitas em escolas, exposição, mostra de música ainda integram a programação, que culminará com o II Colóquio Internacional Quilombola de Afrodescendente, que será realizado no México.

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