Entrevista

Sobre a arte única de juntar palavras e contar histórias

A escritora pernambucana Micheliny Verunschk fará palestra em São Luís, abordando os olhares femininos na nova literatura brasileira

Andréa Oliveira/Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h54
Micheliny Verunschk falará sobre os olhares femininos na literatura
Micheliny Verunschk falará sobre os olhares femininos na literatura (Micheliny Verunschk)

Lembro bem da impressão que tive ao ler “Geografia íntima do deserto”, o livro de estreia de Micheliny Verunschk, em 2003. A cada poema eu me enchia de alegria por ver/ler pela primeira vez uma poesia livre de gênero. Não eram poemas de ou para meninas, mas poesia. E da boa. Felizmente não somente eu tive as melhores impressões daqueles poemas e logo soube que ela estava entre os finalistas do Prêmio Portugal Telecom. Dali em diante começou a ser mais conhecida e lida pelo Brasil e afora. Historiadora e poeta, nasceu em Recife e foi criada em Arcoverde, cidade de sotaque único e afetos raros. Foi em sua primeira estada em São Paulo que nos encontramos, ali naquele cruzamento em que se misturam os amigos, os artistas e suas crias. E por um bom tempo estivemos juntas em encontros literários e aniversários dos filhos. Falei em primeira porque Micheliny voltou pelo menos duas vezes para Pernambuco depois de se fixar (?) novamente em São Paulo. Ainda não li sua estreia em prosa, “Nossa Teresa”, mas não perco nenhum de seus poemas atirados nas redes digitais. Ela é também blogueira e bruxa nas horas vagas. Micheliny Verunschk participa da 9ª Feira do Livro de São Luís e tem encontro marcado no Café Literário, hoje, às 18h30, ao lado da poeta maranhense Jorgeana Braga e da escritora fluminense Simone Campos, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho. O papo será sobre o tema Nova literatura brasileira – olhares femininos. Na entrevista a seguir ela fala sobre alguns aspectos da geografia de sua obra, as cidades em sua vida e a experiência em prosa.

Quem nasceu primeiro: a historiadora ou a poeta?

Acho que foi a ajuntadora de palavras. Isso porque quando escolhi fazer História, contrariando as expectativas familiares de que faria Letras, o fiz pelas possibilidades narrativas da História, pela ideia de que ela é contada, escrita e que, como tudo, é uma ficção também.

Seu livro de estreia, Geografia íntima do deserto, foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de 2004 e você, a primeira mulher a integrar a lista de autores selecionados. Como você recebeu essa notícia?

Recebi essa notícia primeiro com descrédito: Fred Barbosa me ligou e achei que ele estava brincando. Depois fiquei feliz, mas nunca me deslumbrei com isso. Achei, desde o princípio, que o fato de ser a única mulher e a única representante de minha região me dava uma certa responsabilidade. E, como estreante, era em si uma vitória já independente do resultado.

Li em algum lugar que o seu livro B de bruxa, lançado em 2013, é “um livro de poemas curtos onde a autora utiliza o recurso da fantasia para discutir a estrutura de poder de uma sociedade machista”. Você o concebeu com essa ideia de discussão de gênero?

De certo modo, sim. Pensei nessa energia feminina que tem se mobilizado de várias formas nesses últimos anos, com ênfase no prazer, no corpo, nas várias belezas. E na recuperação desse poder que sempre foi historicamente associado ao mal, o poder da bruxa. Além de brincar, ironicamente, com o medo que vem atrelado a isso: da bruxa comedora, insaciável. Essas discussões são ganhos do feminismo. Então reunir as vozes dessas mulheres, dessas bruxas, dar a elas picardia mas também um coração capaz de se render ao amor, tem muito a ver com isso.

Recife, Arcoverde, Olinda e São Paulo... Como essas cidades estão impressas em sua vida e obra?

Todas elas estão escritas em mim. Todas elas compõem uma geografia dos meus afetos. Assim, estão todas escritas: nos poemas, na minha prosa. Essas cidades compõem um território único que as têm costuradas umas nas outras, formando dobras.

Alguns temas nos seus poemas parecem alinhavados, escritos ou não, mas sempre ali, como se fosse o forro do seu vestido. Vejo memória, infância, silêncio, territórios, vida, morte... Do que mais fala a sua poesia?

Por falar em dobras, uma imagem cara para mim, deleuzianamente falando, essa da costura, dos alinhavos. Minha poesia tem falado de outros lugares ultimamente: música, sexo, observação, deus, entre outras coisas.

Ano passado você estreou em prosa, com “Nossa Teresa”. Fale sobre essa experiência de fazer um romance sobre suicídio e santidade...

Eu escrevo prosa desde que me entendo por gente. Eu não sabia disso, mas meu pai pouco antes de morrer me mandou um caderno meu com um romance escrito lá por volta dos 8, 9 anos de idade. Depois eu sempre fiz pequenos exercícios, contos, crônicas. Não achava que fosse possível me arriscar em algo de mais fôlego. Então escrever esse romance foi um mergulho, um grande exercício. Aprendi sobre mim, sobre minha escrita e sobre o que é isso de escrever um romance. Então posso dizer que foi uma experiência ímpar.

Qual a expectativa em relação à sua participação na Feira do Livro de São Luís? Será um café literário sobre olhares femininos na nova literatura brasileira...

Minha expectativa é a melhor possível. Primeiro porque não conheço São Luís e não conheço a Feira e ambas fazem parte da minha lista de desejos faz algum tempo. Segundo porque estarei discutindo com outras mulheres questões pertinentes ao nosso tempo e nossas escritas. Por fim, tenho amigos queridos, interlocutores que muito me interessam, e será uma alegria estar com eles.

OBRA

Geografia íntima do deserto (2003)
Micheliny Verunschk
Landy

224 páginas

O observador e o nada (2003)
Micheliny Verunschk
Objetiva
1ª edição, 2003
260 páginas

A cartografia da noite (2010)
Micheliny Verunschk
Lumme
1ª edição, 2010
66 páginas

B de Bruxa (2014)
Micheliny Verunschk
Mariposa Cartonera

2ª edição, 2014
232 páginas

Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida (2014)
Micheliny Verunschk
Patuá
1ª edição, 2014
192 páginas

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