Coluna

Departamento de Informação da Vida Alheia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h55
Por volta de 1938, esse grupo se reunia na Praça João Lisboa, das 19 às 21 horas, para conversar sobre variados assuntos. Esgotada a pauta, outras conversas vinham a lume, acerca de fatos e atos da sociedade maranhense, à época, não tão numerosa, portanto, ao alcance da língua dos que gostavam falar da vida alheia.Benedito Buzar

Semanas atrás, o confrade Jomar Moraes requentou um texto de sua autoria, publicado no século passado, em homenagem ao aniversário de São Luis, sobre o Senado da Praça, importante Instituição desta cidade.

Hoje, também, requentarei matéria de minha autoria, publicada em O Imparcial, a 29 de maio de 1975, portanto, há quarenta anos, sobre outra Instituição que marcou São Luis, o famoso DIVA ou Departamento de Informação da Vida Alheia.

O saudoso comerciante José Mendonça, proprietário do Foto Mendonça, localizado na Rua de Nazaré, foi um dos fundadores desse movimento. Antes de sua partida para a eternidade, falou-me à vontade e sem constrangimento a respeito da instituição que marcou época e era temida pelo seu poder de fogo na arte de falar mal.
Para situar a entidade no tempo e no espaço, Mendonça revela, como informação preliminar, o nome dos fundadores da Instituição: Mimi Silva, tesoureiro do Estado, Luis Silva, funcionário do Banco do Brasil, Amadeu Araújo, representante da Brahma, Antero Matos, comerciante, Soriano Caldas, funcionário público aposentado, e o comerciante Benedito Silva.

Por volta de 1938, esse grupo se reunia na Praça João Lisboa, das 19 às 21 horas, para conversar sobre variados assuntos. Esgotada a pauta, outras conversas vinham a lume, acerca de fatos e atos da sociedade maranhense, à época, não tão numerosa, portanto, ao alcance da língua dos que gostavam falar da vida alheia.

Pelo fato de se reunirem todas as noites na mesma hora e no mesmo lugar, aquelas pessoas passaram a ser alvo das atenções dos olhares e dos ouvidos dos moradores da cidade, que supostamente a elas atribuíam o prazer de falar mal da gente maranhense. Veio daí o nome de batismo dado ao grupo: Departamento de Informação da Vida Alheia ou DIVA, sigla pela qual ficou conhecida.

Foi graças a esse nome que o grupo ganhou notoriedade e fama. Por isso, os que dela faziam parte não ficaram estomagados ou aborrecidos com o batismo do povo. Afinal de contas, comentar e discutir atos, ações e condutas de quem se comportava incorretamente ou infringisse as regras e os costumes da sociedade, era coisa corriqueira nesta cidade que habitualmente gostava e cultivava a arte de falar mal de tudo e de todos.

As reuniões do DIVA praticamente não se realizavam durante o dia. Depois do jantar, eles rumavam para a Praça João Lisboa, onde se juntavam e passavam em revista os acontecimentos merecedores de comentários, criticas e censuras. Às vezes, aos domingos, das 9 às 12 horas, reuniam-se, em caráter extraordinário, para apreciar algum fato inesperado e de repercussão na cidade.

Só um assunto, durante um determinado tempo, deixou de ser focalizado em suas reuniões: a política. Não por serem apolíticos ou pouco se interessassem pelos negócios públicos de São Luis e do Maranhão. Mas por causa da situação do país, então, sob o domínio da ditadura de Getúlio Vargas e do interventor Paulo Ramos, que inibia qualquer tipo de reunião em praça pública. O desacato a essa ordem, implicava em prisão.

Quando o Brasil entra na II Guerra Mundial, o DIVA, também, viveu momentos aflitivos. Como o governo proibia a presença noturna de gente nas ruas e praças da cidade, a casa de Benedito Silva, na Rua das Barrocas, foi a alternativa encontrada para o grupo não se dispersar. Ali, se reuniam e ouviam o noticiário transmitido diretamente da Inglaterra, pela Rádio BBC, sobre o desenrolar do movimento belicoso.

Um fato, contudo, os deixou tristes e desolados. Na gestão do prefeito Pedro Neiva de Santana, a prefeitura realizou ampla reforma na Praça João Lisboa, que não ficou pedra sobre pedra. Por força disso, mudaram de pouso. Tentaram se instalar em frente à igreja do Carmo, mas não se adaptaram e nem ficaram à vontade. Decidiram se reunir nas imediações do prédio dos Correios e Telégrafos.

Refeita a praça, o grupo volta a funcionar com rigor e vigor, e ganha impulso qualitativo e quantitativo com o ingresso de Franklin da Costa, José Dourado, Mário Rego, Tiago Silva e Evandro Rocha.

Como toda organização que se preza, após essa fase de fastígio, a Instituição vive uma temporada crítica, chegando mesmo a dissolver-se por uns tempos, em decorrência do falecimento de alguns membros, dentre os quais Antero Matos e Mimi Silva.

José Mendonça e Benedito Silva, remanescentes do grupo, não se conformam e nem aceitam o engessamento da entidade, principalmente porque o país se livrara do Estado Novo. Para conviverem com os novos tempos, trouxeram para o seu convívio personalidades do nível de Castro Barbosa, gerente da Sul América de Seguros, Alberto Bello, funcionário da Alfândega, João Trindade, funcionário da Imprensa Oficial, Raimundo Moreira, funcionário do Tesouro Nacional, e o comerciante Castro Gomes.

Mas essa turma não consegue sustentar a instituição como nos outros tempos. Aos poucos e lentamente perde a importância e deixa de ser referência na cidade, sobretudo porque pessoas estranhas e não confiáveis passaram a freqüentá-la. Resultado: o DIVA sai de cena e o seu lugar é ocupado por outro grupo, este, politizado, razão pelo qual recebe o nome de Senado da Praça, e segue a tradição da organização desaparecida: aprecia a arte de falar da vida alheia, no suposto de que essa prática, segundo a Organização Mundial da Saúde, faz bem à alma e ao corpo.

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