O velho amigo e confrade Benedito Buzar, cuja mania de guardar velhos papéis é bem maior do que a minha, e que além disso, estou seguro de que me supera na organização de seus guardados, recentemente, na continuidade de uma prática que vem de longe, entregou-me um pequeno pacote de recortes de velhos jornais, todos versando assunto de meu interesse, e muitos dos quais deixei passar, por puro descuido ou relaxamento. De outros nem me lembrava. Neste segundo caso inclui-se um recorte de “O Estado de S. Paulo”, matéria seguramente integrante da seção em que os leitores manifestam suas opiniões, e o jornal geralmente as comenta.
Pena que, por inadvertência, Buzar se haja esquecido de consignar a data. Mas o importante é que o recorte trouxe-me de volta à memória, em toda sua inteireza, um quiproquó que consistiu no seguinte: num dos artigos que, por seguidos anos, o confrade José Sarney publicava semanalmente no jornal “Folha de S. Paulo”, evocou ele nosso glorioso conterrâneo João Francisco Lisboa e, referindo-se à parte de sua obra fundamental que foi recolhida a livros sob o título de “Jornal de Tímon”, esclareceu, obviamente, que a despeito de assim intitulada, tal obra não consistia em jornal, mas em livro.
Bastou isso para que um sabichão das arábias aparecesse, de peito estufado e de dedo em riste, para “corrigir” Sarney de “seu grave equívoco”. Sendo ele, filho do Maranhão, admirava que ignorasse um dos aspectos mais relevantes da cultura maranhense, ao afirmar que o “Jornal de Tímon” não era um jornal. Dá para imaginar o ar de vitória de Pirro, o entusiasmo que terá animado o pretenso sabe-tudo, lastimavelmente, com muitos adeptos. Esporte certamente fundado na sordidez do despeito e da inveja, e que se manifesta na gana de malsinar Sarney, pelo imperdoável pecado de ser ele o mais ilustre e importante maranhense.
Sarney voltou à carga, reafirmando quanto dissera. E pediu minha opinião sobre o assunto. Convocado, pronunciei-me, enviando meu parecer a “O Estado de São Paulo”, que o publicou segundo me referi no início. Pelo recorte recebido de Buzar, fiquei sabendo que o renitente beócio (sim, porque meteu-se a prelecionar sobre o que desconhecia), procurando intencionalmente confundir Carolina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão ou A obra de arte do mestre Picasso com (palavras impublicáveis) do mestre de obra, saiu-se com a história de que João Francisco Lisboa era jornalista e essa condição lhe havíamos negado. Conversa pra boi dormir... desculpa de quem perdeu na arguição e se recusa a dar a mão à palmatória.
Ora, ora... que João Francisco Lisboa foi jornalista e um dos maiores de seu tempo no Brasil, é verdade elementar que não se ignora. E tão jornalista era ele, que deu à parte de sua obra menos sujeita à obsolescência, como geralmente são as matérias de jornal, deu o título de “Jornal”. “Jornal de Tímon”. A propósito, não é despiciendo anotar que Tímon, no caso, é palavra paroxítona, já que se refere ao moralista grego Tímon, “homem singular e estranho” que viveu no século V a.C., em Atenas, e foi cognominado o Misantropo, em razão de suas excentricidades. Nada a ver, portanto, com o famoso foliculário francês Louis-Marie de La Haye, visconde de Cormenin, e que, sob o pseudônimo de Timon (oxítono), fustigou tormentosamente o reinado de Luís Filipe com seus demolidores folhetos.
João Francisco Lisboa, por sua vez, foi o nosso “grego nascido nas históricas margens do soberbo Itapecuru”, como de si mesmo disse sardonicamente o próprio jornalista
João Francisco Lisboa, por sua vez, foi o nosso “grego nascido nas históricas margens do soberbo Itapecuru”, como de si mesmo disse sardonicamente o próprio jornalista.
Depois desse breve excurso, retorno ao fio da narrativa, que vinha acentuando o fato de João Francisco Lisboa, a par de escritor e advogado militante no foro de São Luís, atividade em que alcançou nomeada e chegou a auferir bons resultados financeiros, era visceralmente jornalista, profissão em que se iniciou muito cedo: aos 20 anos de idade, estreou na imprensa como redator e diretor-proprietário do jornal “O Brasileiro”, mantido de 23 de agosto a 16 de setembro de 1832, quando interrompeu a circulação de seu jornal para continuar a publicação de “O Farol Maranhense”, vibrante órgão fundado e dirigido pelo importante líder popular da causa nacional da Independência, José Cândido de Moraes e Silva, que falecera no calor mais intenso de sua luta.
E pela vida em fora continuaria JF Lisboa sempre ligado ao jornalismo, fazendo circular, sucessivamente, os jornais “Eco do Norte”, 1834/36 e “Crônica Maranhense”, 1838/40. E por fim, entre julho de 1842 a julho de 1855, exerceu a direção do jornal “Publicador Maranhense”.
Inquestionavelmente, com essa folha corrida, não há dúvida de que o grande escritor, exímio advogado e combativo homem de imprensa, foi um grande jornalista. Mas nada, a despeito disso, autoriza ninguém a afirmar que o “Jornal de Tímon” é jornal.
“Jornal de Tímon”, compacto conjunto de escritos publicados parceladamente em fascículos pelo autor, que teria recomendado a sua esposa que os destruísse, foi salvo pelo empenho de Antônio Henriques Leal, que prestou à cultura maranhense e brasileira o relevantíssimo serviço de organizá-lo e republicá-lo, com à contribuição do gramático e professor Luís Carlos Pereira de Castro. Obra que, em 4 volumes compactos, tive a honra de reeditar em 2012, como parte da coleção Documentos Maranhenses, mantida pela Academia Maranhense de Letras, com ao patrocínio da Alumar.
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