Vidas em perigo

Praça do Pescador é hoje retrato das consequências da dependência química

Políticas públicas de combate às drogas aplicadas na área parecem não surtir efeito, pois os dependentes continuam ocupando o espaço do logradouro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h56
Homem pega punhal que estava sob pedra na Praça do Pescador...
Homem pega punhal que estava sob pedra na Praça do Pescador...
...e guarda na barra do calção antes de o homem deixar o local
...e guarda na barra do calção antes de o homem deixar o local

Cinco meses depois da demolição do coreto da Praça do Pescador, no Desterro, para revitalização do espaço e implantação de uma quadra poliesportiva, o espaço ainda concentra muitos dependentes químicos. Já foi ofertado tratamento especializado a essas pessoas várias vezes, mas elas continuam no local, colocando suas vidas em risco e também a de terceiros, visto que muitas apelam à criminalidade para manter o vício. Na manhã de ontem, O Estado flagrou um desses dependentes retirando um punhal debaixo de uma pedra solta da praça, uma imagem que traz uma reflexão sobre a efetividade das ações empenhadas para esse público.

A Praça do Pescador foi inaugurada em 1983, pelo então governador Luiz Rocha, e é uma das portas de entrada para o Desterro, que foi cenário dos primeiros momentos da ocupação portuguesa em São Luís. Apesar de sua importância, o espaço é conhecido principalmente como um retrato do abandono e violência no bairro.

Para mudar isso, a Subprefeitura do Centro Histórico de São Luís, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, deu início a uma obra de requalificação urbanística da Praça do Pescador, com a assistência social voltada aos dependentes químicos da região. A demolição do coreto aconteceu em fevereiro deste ano, e a obra teve início no dia 15 de junho. A previsão para término é no dia 7 de novembro.

Medo - O projeto prevê que sejam beneficiadas as comunidades da Praia Grande, Desterro e Portinho. Mas nesses locais as pessoas que devem ser favorecidas com a obra não têm uma visão tão positiva em relação a ela. Isso se dá, principalmente, por causa da ocupação de dependentes químicos ainda continuar intensa no espaço.

Além da ocasião da demolição do coreto da praça, essas pessoas já passaram por outras oportunidades em que foi oferecido tratamento especializado. A última delas aconteceu nesta semana, quando equipes da Polícia Civil recolheram dependentes químicos de vários pontos e levaram até o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD).

Apesar disso, o flagrante de O Estado, em que um homem pega um punhal que estava debaixo de uma pedra solta para colocá-lo na barra do calção e escondido sob a camisa, mostra a fragilidade das ações que vem sendo realizadas naquela região e também, de uma forma geral, no combate às drogas.

Para quem mora ou trabalha na região, resta ter de continuar vivendo com o medo e a expectativa de que a situação mude com a entrega da obra. Para o torneiro mecânico Benedito da Silva Furtado Júnior, a retirada do antigo coreto da Praça do Pescador até colaborou com a diminuição da violência no local, mas ainda fica a preocupação do que vai acontecer depois que a praça for entregue à população. "Tem de ter um posto policial, senão eles vão ocupar a praça de novo. Aí, não vai adiantar nada ter feito a obra", disse.

Represálias - Um comerciante que mora nas proximidades da praça há 11 anos e preferiu não se identificar por medo de represálias, comentou o medo de ter de conviver com esses dependentes, que geralmente andam com armas brancas. Ela lamentou ainda o fato de essas pessoas sempre voltarem a ocupar o local. "Tem essa questão de ser perigoso para nós. Mas o pior é para eles também, que estão se acabando na droga. Não querem sair de jeito nenhum disso", afirmou.

Tratamento - O delegado Rodson Almeida, coordenador da Supervisão de Área Integrada de Segurança Pública Oeste (Saisp Oeste), reconhece a fragilidade das políticas públicas de combate às drogas. Como o tratamento é voluntário, muitos voltam para as ruas para continuar utilizando drogas. "Essa é uma atividade difícil, porque envolve um ser humano que, às vezes, não tem o apoio da família ou não quer o tratamento. A gente tem de se adequar a essa situação de dificuldade. Mas a gente tenta. Se uma dessas pessoas sair desse convívio, o objetivo já foi alcançado", declarou.
Ainda de acordo com o delegado, vem sendo estudada a possibilidade de tornar a internação obrigatória para alguns casos extremos. "Está sendo estudada a possibilidade de ingressar com uma medida judicial, prevista pelo ordenamento jurídico, que é a internação compulsória. Vai se ingressar para que a Justiça determine a internação daquela pessoa, uma vez que o grau de dependência da droga faz com que ela perca a capacidade de dizer se quer ou não. É um doente que precisa ser tratado", disse.

Moradores de rua sentam-se ao lado do tapume que protege a obra de reforma no local onde ficava o quiosque
Moradores de rua sentam-se ao lado do tapume que protege a obra de reforma no local onde ficava o quiosque

Volta - Segundo o diretor do CAPS AD e responsável técnico pela Unidade de Acolhimento Transitório (UAT), Marcelo Soares Costa, apenas 10% a 15% dos dependentes químicos em situação de rua que buscam ou são levados ao centro levam o tratamento até o fim. Ou seja, pelo menos 85% dessas pessoas voltam ao vício.

A explicação para esse alto e preocupante índice de declínio no tratamento pode ser explicado pelos problemas sociais que passam os pacientes. "Geralmente, a família não dá apoio ou não aceita mais esse familiar em sua residência. E eles também tiram o seu sustento, os seus recursos, da rua. Eles fazem bicos carregando caixas para comer. Tem de se dar uma opção para que essas pessoas sejam ressocializadas. Não é só parar a droga", ressaltou.

NÚMEROS
Última operação em que foram recolhidos dependentes químicos
22 usuários recolhidos
7 deles foram encaminhados para a UAT para internação
2 menores de idade encaminhados para o Conselho Tutelar e CAPS infantil
2 encaminhados para a emergência do Hospital Nina Rodrigues por entrarem em crise convulsiva

Num primeiro momento, eles até aceitam o atendimento. Mas depois do primeiro dia se acham em condição de sair e reencontram as velhas práticas”Rodson Almeida, delegado

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