Educação

Plano Estadual de Educação prevê política de combate às desigualdades

O documento, aprovado ano passado, com metas educacionais para 10 anos, prevê o desenvolvimento de práticas voltadas para as diversidades, entre elas a de identidade de gênero; transexual foi impedida de usar banheiro feminino em escola

Atualizada em 11/10/2022 às 12h57
Transexual Stheffany Pereira, de 23 anos, foi impedida de usar banheiro feminino em escola estadual
Transexual Stheffany Pereira, de 23 anos, foi impedida de usar banheiro feminino em escola estadual

O caso envolvendo a transexual Stheffany Pereira, de 23 anos, que foi, segundo ela, vítima de preconceito na escola Liceu Maranhense, ao ser proibida de utilizar as instalações do banheiro feminino da instituição, reforça a necessidade de se discutir no âmbito escolar questões relacionadas à identidade de gênero nas políticas educacionais. O assunto, entretanto, já está contemplado no Plano Estadual de Educação, cujo conjunto de metas foi criado para a adoção de políticas públicas no setor no Estado para um período de 10 anos. O documento prevê o combate às desigualdades nas escolas, incluindo àquelas relativas a identidade de gênero.

Segundo o Ministério da Educação (MEC), o Maranhão foi o primeiro estado do país a cumprir a elaboração do Plano Estadual de Educação e a remetê-lo ao Governo Federal - a entrega do plano foi feita em maio do ano passado. A transformação do texto era, inclusive, uma exigência do MEC para a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE).

Por pressões de bancadas religiosas, em pelo menos oito estados do país – lista essa que não inclui o Maranhão – foram retirados recentemente itens dos Planos Estaduais de Educação referentes à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual. Em contrapartida, além do Maranhão, outros três estados do país (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Amapá), onde os Planos de Educação foram aprovados, mantiveram os itens relacionados à identidade de gênero.

Combate - De acordo com o Plano Estadual de Educação, os gestores de educação devem ter como foco “o combate às desigualdades”, especialmente no ambiente escolar. Ainda segundo o texto, as desigualdades, no caso de Stheffany Pereira, estão relacionadas à “identidade de gênero”, conforme previsão legal observada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96).

Além do combate às desigualdades, o Plano de Educação do Estado prevê ainda a implantação (conforme item 7.7 do texto) de “um setor ou equipe técnica” na Secretaria de Estado da Educação e em todas as Unidades Regionais de Educação – UREs, que atuaria nas unidades de ensino, com o “objetivo de realizar, acompanhar, avaliar e monitorar as atividades referentes à educação”, incluindo aquelas relativas às relações de gênero, identidade de gênero e diversidade sexual.

O plano contemplava ainda a institucionalização das políticas públicas de diversidade “às pessoas do segmento LGBTTT”, objetivando, segundo o texto, “alcançar uma educação não discriminatória, não sexista, não machista, não racista, não homofóbica, não lesbofóbica, não transfóbica”. Ainda segundo o plano, deveria haver a valorização das políticas públicas de diversidade nas escolas públicas do estado, por meio de projetos político-pedagógicos.

Posicionamento - Por meio de nota divulgada na noite de quarta-feira (24) à imprensa, o Governo do Maranhão emitiu posicionamento sobre o episódio envolvendo a transexual Stheffany Pereira. De acordo com o parecer, os centros de ensino da rede pública são orientados “com diretrizes específicas de respeito à diversidade no âmbito da escola”.

Ainda segundo a nota, o governo, por meio da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), iniciou após o episódio com a transexual “um trabalho na escola” (neste caso, o Liceu Maranhense) para dialogar com “estudantes, técnicos e gestão”. O governo reiterou, ainda, que este ano foi instituída, na Seduc, a Supervisão de Temas Socioeducacionais, que tem “a missão de trabalhar a educação em Direitos Humanos, no âmbito do Sistema Estadual de Educação”

Ainda por meio de nota, o Governo do Maranhão se comprometeu a divulgar, em breve, um pacote de medidas que deverão visar “à garantia dos direitos humanos da população LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis]”. O governo também orientou a comunidade escolar “no sentido de que a defesa da dignidade humana esteja presente no ambiente da escola, por meio da promoção e da vivência dos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz”.

Sem decisão - Apesar dos esclarecimentos, o Governo do Estado não informou se a transexual Stheffany Pereira poderá utilizar ou não as instalações do banheiro feminino do Liceu Maranhense. Em entrevista na manhã de quarta-feira, dia 24, ao repórter João Ricardo, da Rádio Mirante AM, o diretor do Liceu Maranhense, Deurivan Sampaio, informou que manteria a restrição do acesso.

“Acredito que esse caso merece uma discussão e uma regulamentação, mas ainda não existe lei sobre isso. Por isso, vamos continuar com a mesma postura até que haja uma determinação legal para que todos possam usar os espaços sem nenhum constrangimento para ninguém”, disse.

Procurado por O Estado, até o fechamento desta edição, o diretor do Liceu não foi encontrado para falar sobre o assunto.

Direitos humanos – Além de representantes da sociedade civil, entidades também expuseram apoio à Stheffany Pereira. Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Maranhão (OAB/MA), Antônio Pedrosa, o Estado deve oferecer proteção às populações consideradas “vulneráveis”, dentre elas a LGBT.

“É função do Estado garantir fóruns de discussão no ambiente escolar que prevejam soluções para o convívio, neste caso pacífico, entre pessoas com orientações sexuais diferentes da maioria. Neste caso, é possível que a jovem envolvida no caso procure seus direitos e até entre com ação indenizatória”, declarou.

Nota do Governo do Estado

Com relação à questão envolvendo o estudante do Liceu Maranhense, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) esclarece que orienta os centros de ensino com diretrizes específicas de respeito à diversidade no âmbito da escola. Orienta também para que mantenham diálogo com a comunidade escolar no sentido de que a defesa da dignidade humana esteja presente no ambiente da escola, por meio da promoção e da vivência dos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz.

A Seduc informa ainda que uma equipe técnica iniciou um trabalho na escola, dialogando com estudantes, técnicos e gestão. Reitera que na atual gestão foi instituída na Superintendência de Educação Básica, da Seduc, a Supervisão de Temas Socioeducacionais, com a missão de trabalhar a educação em Direitos Humanos, no âmbito do Sistema Estadual de Educação.

Também com este intuito a Secretaria dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) está finalizando um pacote de medidas que visa à garantia dos direitos humanos da população LGBT, dentre as quais o reconhecimento e garantia dos direitos relativos às pessoas trans.

Episódio no Liceu reforça necessidade de desenvolvimento de práticas relacionadas à identidade de gênero
Episódio no Liceu reforça necessidade de desenvolvimento de práticas relacionadas à identidade de gênero

Transexual diz que busca direitos

A transexual Stheffany Pereira afirmou na quinta-feira (25) que lutará por direitos da classe. Em postagem publicada em sua conta no Facebook, ela afirmou que está buscando os direitos dela “e de todas as trans e travestis do Estado do Maranhão”. Ainda segundo a jovem, será “difícil calar a boca d'aquele que busca por liberdade”.

Em entrevista veiculada na manhã de sexta-feira, durante o JMTV 1ª edição, ao repórter Alex Barbosa, a transexual afirmou que, por não haver definição do caso, está utilizando durante as aulas um banheiro fora da escola. Ela confirmou ainda que processará o Estado.

O caso - A transexual Stheffany Pereira, que cursa o 3º ano noturno no Liceu Maranhense, foi retirada do banheiro feminino por um monitor sob a alegação de que era um homem e por isso não teria o direito de usar o sanitário. Ela denunciou o caso ao Disque-Denúncia e procurou a Defensoria Pública Estadual (DPE). Esta foi a primeira vez que ela foi impedida de usar o banheiro feminino.

Stheffany Pereira estuda na escola desde o 1º ano do ensino médio e no ano passado pediu transferência para o período noturno para poder conciliar o horário de trabalho com o de estudo. Na noite do dia 17, ela estava no banheiro na companhia de uma amiga quando foi surpreendida por um monitor da escola que a retirou do local. “Era intervalo de aula, então, todos os alunos estavam nos corredores quando ele me retirou do banheiro. Ele me expôs diante de todos. Eu fiquei muito abalada com a situação e chorei muito, pois me senti humilhada”, disse.

MAIS

Meta 7 do Plano Estadual de Educação - Garantir 100% das escolas da Educação Básica, níveis e modalidades, condições de transversalidade para o desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas para as diversidades e temas sociais (direitos socioeducacionais).

7.7 - Implantar na Secretaria de Estado da Educação e em todas as Unidades Regionais de Educação – UREs um setor ou equipe técnica especializada e multidisciplinar, da diversidade com o objetivo de realizar, acompanhar, avaliar e monitorar as atividades referentes à educação em direitos humanos, à educação para as relações étnico-raciais, para as relações de gênero, identidade de gênero e diversidade sexual, educação ambiental, educação fiscal, cultura na escola, fortalecendo parcerias entre organismos públicos, não governamentais e com os movimentos sociais (direitos humanos, ecológicos, justiça fiscal, negros, de mulheres, feministas, LGBTTT) objetivando alcançar uma educação não discriminatória, não sexista, não machista, não racista, não homofóbica, não lesbofóbica, não transfóbica;

7.8 - Institucionalizar todas as políticas públicas da diversidade (garantia de direitos aos/as negros/as, indígenas, mulheres, pessoas do segmento LGBTTT e outros), direito ambientais, justiça fiscal e arte e cultura na escola nos Projetos Político-pedagógicos das escolas estaduais.

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