Crônica

Waterloo, 200 anos

Sebastião Moreira Duarte

Atualizada em 11/10/2022 às 12h57

No começo da semana, eu prometi aos meus alunos “uma barra de chocolate do tamanho desta sala”, se dissessem que data especial o mundo comemoraria ontem, dia 18. Ninguém ganhou a prenda. Até que uma aluna mais esperta bolinou lá o smartphone e tartamudeou a resposta:

– Waterloo. Derrota de Napoleão em Waterloo. 18 de junho de 1815.

– Bem, e que significado tem isso para a História?

Procurando o efeito contrário, silenciei a classe toda: eles não tinham tempo para ler tudo o que tinha, a esse respeito, na cumbuca eletrônica que tinham em mãos.

Assim... la nave va. Quer dizer: é a escola que temos, nem adianta muito se queixar, mesmo porque não há a quem.

Lembro que eu nem estudava francês ainda, nem tinha aberto nenhum livro de História Geral, e na minha escola a gente já grugrunhia as palavras de uma musiquinha que, só depois, vim a entender que era isto: “Napoléon avait vingt-cinq soldats / marchant du même pas.”

Já bem adiante na escolaridade, não precisei que me explicassem estes versos de O Livro e a América, que, hoje, soletrados para um estudante de Nível Médio, tanto faz, porque ele ficará na mesma: “Filhos do sec’lo das luzes! / Filhos da Grande nação! / Quando ante Deus vos mostrardes, / Tereis um livro na mão: / O livro — esse audaz guerreiro / Que conquista o mundo inteiro /Sem nunca ter Waterloo...” Eram tempos em que, apesar de poucos, a gente tinha livros na mão, e era uma vergonha um ginasiano não saber de cor esse famoso poema de Castro Alves. (Hoje – falo por experiência – ninguém pergunte a um adolescente quem foi que escreveu o poema que começa assim: “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”).

Melhor mesmo, praticar uma croniquinha, mordiscando uma canjiquinha, ouvindo tambores que são de preguiça e paz e está bom demais.”Sebastião Moreira Duarte

Mas não estou aqui para falar da escola, “maravilha fatal da nossa idade”. Falo de Napoleão, falo de Waterloo.

Por uma espécie de aversão alérgica, nunca nutri grande admiração pelos “bravos guerreiros” da História. Alexandre sempre me pareceu um grande pervertido, ainda mais quando soube que ele nunca levou a sério as lições de seu mestre Aristóteles. É verdade que cheguei a responder sobre a vida de Júlio César (aquela escrita por Plutarco, é claro, não aquela “devassidão” descrita em Suetônio) numa espécie de O céu é o limite escolar. Mas isso foi por causa do latim, pela dos livros Da guerra Gaulesa e Da guerra civil, que traduzíamos como exercício escolar. Mesmo assim, minha simpatia íntima ia mais para Aníbal, o general cartaginês, por causa da preferência instintiva que sempre tive pelo time que está perdendo o jogo.

Com Napoleão, era diferente. Meus sentimentos transitavam num contrapeso de admiração e repulsa. Tratava-se de um sujeito intrigante, que me espantava pelo que fez e me suscitava o desprezo pelo modo como o fez. Sobretudo, a supina arrogância de seu gênio, que alguns, mal-avisados, pretendem que seja a marca do “caráter nacional” francês, o que é um estereótipo grosso.

O que me interrogava em Napoleão – e ainda não encontrei resposta para o enigma – era/é a rapidez fulminante de sua ascensão do nada ao tudo, e a volta do tudo ao nada, numa parábola de apenas vinte anos. O mundo todo foi atingido pelas tropelias de um homem de quem se pode dizer que nem noção clara tinha de qual era, afinal, a sua pátria. Depois daquele pé-de-vento que varreu os continentes, nada mais seria como foi...

Até que chegou Waterloo... sinônimo, hoje, do fragoroso fracasso, da derrota vergonhosa da qual ninguém quer falar, uma espécie de 7 x 1 moral, que nos chicoteia o rosto.

“Vaidade das vaidades.” “Assim passa a glória do mundo”.

Por isso, small is beautiful, como dizia certo antropólogo nos anos 60. Melhor mesmo, praticar uma croniquinha, mordiscando uma canjiquinha, ouvindo tambores que são de preguiça e paz, e está bom demais.

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