Becos de São Luís

Catarina Mina, a digna e ilustre ex-escrava que morava no beco

Depois de fazer fortuna e comprar sua liberdade, a mulher passou a morar em um imóvel no beco, que ganhou seu nome mais tarde; hoje, logradouro é um dos mais conhecidos e visitados do Centro Histórico de São Luís

Jock Dean

Atualizada em 11/10/2022 às 12h58

[e-s001]Em sua Breve História das Ruas de São Luís (1962), o escritor Domingos Vieira Filho já chamava atenção para o processo de nomeação das ruas da cidade ao afirmar que "outrora nossas ruas tiveram nomes tão pitorescos quanto líricos, mudados depois à força para o de ilustres desconhecidos que, em sua maioria, não se sabe o que fizeram para merecer a honra de batizar um logradouro público". Mais que isso, é fácil notar que, em sua maioria, os logradouros públicos homenageiam personalidades masculinas. Mas há exceções, ainda que raras. Em São Luís, um dos mais conhecidos logradouros do Centro Histórico destaca o papel da mulher negra na construção da história da cidade, o Beco Catarina Mina.

O beco tem esse nome por causa da escrava Catarina Rosa Pereira de Jesus, que, segundo consta, após amealhar fortuna, comprou sua liberdade e tornou-se proprietária de imóveis e senhora de escravos. Ela teria morado em um dos imóveis existentes no beco, daí o nome dado ao local. Antônio Guimarães de Oliveira, em São Luís: Memória & Tempo (2010), afirmou que Catarina Mina fez-se rica e conseguiu fazer-se lembrada até hoje pelo nome que emprestou à rua, destacando-se que "nesse trecho da Praia Grande, no Maranhão, predominou outrora o poder e ostentação portugueses, que dominavam um rico comércio".

Em 1930, o Beco Catarina Mina teve seu nome mudado para Rua Djalma Dutra, em homenagem a esse herói do Forte de Copacabana. Sobre ele, Domingos Vieira Filho disse que "pouco foi dado respingar". Talvez também por isso, o nome original da via é o que é mais usado pela população.

Memória - E mesmo sabendo-se pouco sobre a vida de Catarina Mina, como quando teria chegado a São Luís e qual a data de sua morte, ainda hoje, a memória da antiga moradora é forte no logradouro.

Um exemplo disso é um restaurante de comida típica maranhense que há 15 anos funciona no local e leva o nome da Chica da Silva maranhense. O estabelecimento pertence a Lourdes Ribeiro, que há 25 anos trabalha no Centro Histórico e, por isso, conhece bem as transformações sofridas pelo local nesse período. "Antes de vir para o beco, eu trabalhava na Rua da Estrela. Eu lembro que naquela época, o beco era um local sujo, pois tinha apenas lixo. O beco já teve momentos de glória, com muitos eventos. Eu mesmo fazia música aqui no meu restaurante, mas a gente teve de parar", contou.

Lourdes Ribeiro também é moradora do beco, uma das poucas. Os quase 15 anos no local serviram também para que ela conhecesse a história de sua anfitriã. "Eu não conhecia a história do beco. Foi César Teixeira quem me recomendou colocar o nome do beco no meu restaurante. Hoje, sei a história do beco de cor, de tanto ouvir todo mundo que passa por aqui contar", diz.

Cultura negra - A herança negra não está presente apenas no nome da personalidade que nomeia o local. A artesã Têka também trabalha e mora no local. Há 10 anos, ela acompanha o dia a dia do beco, desenhando e confeccionando roupas alternativas. Os modelos exclusivos criados por ela têm como inspiração a cultura negra, seja nas estampas ou nos cortes. "Uma vez por ano, faço um desfile no beco, abordando a cultura local, que tem muita influência da cultura africana", disse.

Segundo Têka, o Catarina Mina é um dos becos mais visitados do Centro Histórico. "O dia todo tem gente subindo e descendo, até porque aqui perto tem muitas repartições públicas. Além disso, muita gente passa para conhecer o beco, tirar fotos, saber da história", afirmou. O grande fluxo de pessoas é porque o beco liga a Rua Portugal à Praça Pedro II, sendo local natural de passagem para quem vai da Avenida Beira-Mar para a praça.

Característica, aliás, que remonta os primórdios do beco, conforme explicou Luiz Phelipe Andrès, que é autor do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís. "O beco fica entre a Rua Portugal, principal artéria comercial de exportação de algodão e arroz, e importação de produtos manufaturados da Europa, da época, ao que hoje é a Avenida Pedro II, que era a grande explanada do forte que era São Luís. A dimensão dos armazéns e dos sobradões mostra a importância econômica da metrópole que era São Luís", explicou.

Opulência - Ele destacou ainda que o beco tem um traçado bem moderno para a época e, como se pode observar, nem é tão estreito. "Além disso, ele mostra o quão opulenta foi a São Luís dos séculos XVIII e XIX, pois a escadaria do beco é feita com pedra de lioz, uma pedra cara. Esse material era utilizado em igrejas, palácios e chafarizes, espalhados por Portugal e seus antigos territórios", informou.

A escadaria de lioz, formada por 33 degraus, datada do século XVII, existente até os dias de hoje, entre as ruas Nazaré (Joaquim Távora) e do Trapiche (Rua Portugal), foi feita para melhorar o acesso à ladeira. Hoje, há lojas de artesanato, agência de viagens, grupos de teatro, e alguns bares aconchegantes ao longo do beco, cujo nascedouro mais antigo começava na antiga Praia de Acaju, à beira do mar, se estendendo até os atuais muros da Câmara Municipal, alcançando já o Beco da Alfândega.

[e-s001]CATARINA MINA

Carlos de Lima em seu Caminhos de São Luís (2001) resgata o que se conhece da história de Catarina Mina. "Catarina Rosa Pereira de Jesus era uma negra escrava que, à custa de muito trabalho e, segundo consta, das graças que oferecia aos endinheirados comerciantes portugueses da Praia Grande, amealhou fortuna com a qual comprou sua alforria e a alforria dos seus amigos. Tinha barraca ao pé da ladeira da Rua da Calçada e, passando a liberta, tornou-se grande senhora de escravos, palmilhando as ruas da cidade à frente de um cortejo de negras caprichosamente vestidas de rendas e bordados e ajaezadas com muitos colares, pulseiras e brincos de ouro. Mas, descalças, segundo sua condição. Catarina deixou fama de mulher bela e elegante, capaz de enfeitiçar os portugueses ricos do comércio, e quando saía à rua, com seu séquito, vestida de finas sedas e brocados, colo, braços e orelhas cobertos de joias, ombreava em formosura e cortesia com as grandes damas da época, como a retratou João Alfonso Guimarães, em primoroso desenho". Catarina Mina também foi imortalizada pelo busto feito pelo artista Eduardo Sereno (foto).

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