Crônica

O pavão e o para-choque

Ivan Sarney

Atualizada em 11/10/2022 às 12h58

Na ensolarada tarde de sábado, as pessoas vão passando, uma após outra, buscando o Centro de Convenções, onde acontece uma Feira de Negócios. Estamos no Pestana Hotel, na Praia de São Marcos.

Os que chegam e passam vão passando, ligeiros, porque lá dentro, às três horas da tarde, já soam os brindes das taças, já ecoam as vozes, já se realizam negócios, tocados pelo charme e pelas intenções das pessoas, no embalo de vinhos, champanhes, de abraços e sorrisos; celebrando amizades, transações, os encontros e os encantos da vida.

Chegados para o evento, e contemplando o cenário que o precede, uma cena bela, curiosa e inusitada, se oferece a nossos olhos. E ali ficamos a registrá-la, embevecidos, fazendo ilações, usufruindo daquele instante de extrema pureza, Janaína e eu.

Quem primeiro viu foi meu amor. Foi ela quem chamou minha atenção para o quadro que a natureza nos oferecia, naquele instante, tão diverso das cenas que iríamos ver e protagonizar na festa, tão imprevisível como a tarde sem chuva, naquele momento.

Sobre a grama densa e verde do canteiro que orna hotel, lado esquerdo de quem entra, uma caminhonete preta, de para-choque muito largo, em aço e brilho, oferece o espelho para um belo e elegante pavão que ali, casualmente, passeia, e se vê refletido.

Diante do espelho, o pavão elegante, de cabeça coroada, de cauda muito longa e azul, tem as penas recolhidas. Não as exibe em leque, cumprindo aquele ritual próprio que os caracteriza, ante as fêmeas que pretendem conquistar ou quando se exibem, orgulhosos, simplesmente para seduzir ou embevecer.

Preso ao magnetismo da forma, das cores, de sua imagem refletida no brilho do aço, do espelho que a luz do sol acende e faz realçar a paisagem circundante, o belo e meticuloso pavão entrega-se à tarefa de bicar

Na ensolarada tarde de sábado, as pessoas vão passando, uma após outra, buscando o Centro de Convenções, onde acontece uma Feira de Negócios. Estamos no Pestana Hotel, na Praia de São Marcos.

Os que chegam e passam vão passando, ligeiros, porque lá dentro, às três horas da tarde, já soam os brindes das taças, já ecoam as vozes, já se realizam negócios, tocados pelo charme e pelas intenções das pessoas, no embalo de vinhos, champanhes, de abraços e sorrisos; celebrando amizades, transações, os encontros e os encantos da vida.

Chegados para o evento, e contemplando o cenário que o precede, uma cena bela, curiosa e inusitada, se oferece a nossos olhos. E ali ficamos a registrá-la, embevecidos, fazendo ilações, usufruindo daquele instante de extrema pureza, Janaína e eu.

Quem primeiro viu foi meu amor. Foi ela quem chamou minha atenção para o quadro que a natureza nos oferecia, naquele instante, tão diverso das cenas que iríamos ver e protagonizar na festa, tão imprevisível como a tarde sem chuva, naquele momento.

Sobre a grama densa e verde do canteiro que orna hotel, lado esquerdo de quem entra, uma caminhonete preta, de para-choque muito largo, em aço e brilho, oferece o espelho para um belo e elegante pavão que ali, casualmente, passeia, e se vê refletido.

Diante do espelho, o pavão elegante, de cabeça coroada, de cauda muito longa e azul, tem as penas recolhidas. Não as exibe em leque, cumprindo aquele ritual próprio que os caracteriza, ante as fêmeas que pretendem conquistar ou quando se exibem, orgulhosos, simplesmente para seduzir ou embevecer.

Preso ao magnetismo da forma, das cores, de sua imagem refletida no brilho do aço, do espelho que a luz do sol acende e faz realçar a paisagem circundante, o belo e meticuloso pavão entrega-se à tarefa de bicar o para-choque, alternando o ritmo, a postura corporal, a intensidade dos movimentos elegantes.

As primeiras tentativas são feitas de frente, por absoluta necessidade de ver cara a cara: os olhos, o bico, a forma, o ser que a ele se apresenta e, de alguma maneira, talvez o seduza, o confunda ou o ameace.

Ele bica, bica, e não se cansa, em princípio, de bicar. E bicando, talvez se sinta confundido por aquele estranho invasor, que parece devolver suas bicadas, seus carinhos, suas agressões; que enfrenta com galhardia suas investidas, repetindo no mesmo ritmo, na mesma intensidade, todos os seus gestos e atos, no espelho do para-choque.

Enquanto isso, as pessoas vão passando e buscando o salão e a feira. Vão passando os instantes e as nuvens da tarde ensolarada, que projetam sombras e realçam os coqueiros. Vai passando a tarde. Tarde que nos prende, ali, como cúmplices, como testemunhas, talvez do narcisismo do pavão ou de sua obstinada luta para se afirmar. Para afirmar seu domínio sobre o espaço onde vive e reina, absoluto, sobre fêmeas lindas, com as quais se acasala. Por isso, quem sabe, ele não se canse. E deixa claro que não vai desistir.

As tentativas seguintes são precedidas de uma breve pausa, espécie de recuo tático, talvez para refletir. Dois ou três passos para trás, pausados e elegante, como todos os gestos dos pavões.

Ele ainda está diante do para-choque, mas posta-se de lado, e parece olhar de banda, vendo pelo rabo do olho, numa tentativa de disfarçar, de iludir o invasor, aquele a quem bicara tanto, até há pouco. Dois passos para frente, uma parada. Um olhar, de canto de olho e, novamente, outra parada, para conferir.

Mas, nada adianta. O intruso, o clone, também não desiste. Está ali, fazendo os mesmos gestos, imitando seus passos, seu olhar, sua tática de mover-se a passos lentos e parar, depois. Está ali, simplesmente, sem intenções de desistir, sem se dar por vencido, disposto a não sair do para-choque, a não se aventurar além do brilho do aço, da luz que o realça e lhe dá uma aparência quase real.

Nosso pavão, o pássaro real, que nos encanta com o espetáculo que protagoniza, mostra-se incansável e resoluto, indiferente às pessoas que passam, à tarde que avança, aos minutos que se sucedem, ao tempo em que se ocupa em bicar seu oponente imaginário.

Preso ao magnetismo da forma, das cores, de sua imagem refletida no brilho do aço, do espelho que a luz do sol acende e faz realçar a paisagem circundante, o belo e meticuloso pavão entrega-se à tarefa de bicar o para-choque, alternando o ritmo, a postura corporal, a intensidade dos movimentos elegantes.Ivan Sarney
Mais que um belíssimo pássaro, ele é um ser obstinado, pondo toda a sua energia e astúcia, nas tarefas de vencer o inimigo, aparente, que não lhe ofende o corpo gracioso, nem avança em seu espaço, ao responder-lhe no mesmo tom e nos mesmos gestos.

Olhos presos na cena e na tarde, fico pensando, com meu amor, no momento especial que estamos tendo, momento que valida a tarde inteira, independente da Feira, dos amigos, das pessoas que iremos encontrar. Fico pensando nas imensuráveis lições que a natureza nos dá, sempre, quando paramos para apreciar seus cenários, para tentar compreender suas maravilhas.

Muitas vezes, também, como o pavão da tarde e sua batalha inglória, somos postos diante de nossos espelhos e não conseguimos entender a nossa própria imagem. Ficamos diante de nós e não nos vemos. Nos digladiamos com imagens que supomos ser de nossos invasores, de nossos adversários, de nossos inimigos, sem compreender que estamos lutando contra nós mesmos, contra o lado de nós que, aparentemente, é contra nós.

Por não conseguirmos ver bem, com o foco dos olhos, vamos desperdiçando, em vão, nossas energias positivas: afastando amigos, enrijecendo a alma, magoando os outros, ficando sozinhos, fechando as janelas e definhando. Bicando, bicando, bicando a vida: o frio e reflexivo espelho do cotidiano. Amar a cidade é perceber suas mensagens naturais. É preciso amar a cidade.

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