Dia dos Pais

'Há um sentido de paternidade no sacerdócio', diz padre

Pároco da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, no Cohatrac, padre Flávio Colins se vê como um pai.

Anderson Corrêa/O Estado

Atualizada em 27/03/2022 às 12h18

Flávio Marques Colins não pôde ter filhos, nem foi o doutor que seu pai tanto queria. Mas o sacerdócio lhe permitiu exercer, por assim dizer, a paternidade, o que possibilitou zelar pela vida cristã de seus milhares de filhos na comunidade de Nossa Senhora de Nazaré, no Cohatrac, onde é pároco. "Há um sentido de paternidade no sacerdócio. É como ser pai sem ter gerado filho. Estou a serviço da igreja, o que significa estar a serviço das pessoas", definiu.

Para ele, há uma grande responsabilidade e desafio em ser clérigo, principalmente porque muitos o recebem como um bom conselheiro. Antes de assumir a paróquia, dedicava-se mais ao trabalho na faculdade. Agora tem contato mais próximo com o público. Com 38 anos, consegue ter um pouco mais de proximidade com os jovens. A experiência com o canto e o violão também é fator preponderante nesta relação com a juventude. "O fato de cantar e usar roupas mais simples faz com que eles sintam um pouco mais de intimidade para dialogar comigo", disse.

Flávio Colins conta que, logo no início de sua vida eclesiástica, algumas pessoas estranhavam o fato de ele, tão novo, ser padre. Tinham até receio de se confessar ou conversar com ele. Ordenado em 1998, o padre lembra que o estranhamento era maior nas cidades do interior. "Quando eu chegava, as pessoas perguntavam: ‘Cadê o padre?’ E eu já estava lá. Ficavam perguntando se eu sabia pelo menos celebrar a missa. Havia certa desconfiança por causa da idade. Mas depois começamos a conversar e as pessoas mudaram seus conceitos", contou.

Mas, apesar da proximidade com os fiéis, o pároco acredita que é preciso impor limites. Ele relata que quando a casa dos padres ficava ao fundo da igreja, muitas pessoas confundiam a relação e iam abrindo a geladeira, chegavam em horas impróprias, de descanso. A casa mudou de endereço e ficou um pouco mais distante da paróquia, em um local que nem todo mundo sabe onde fica.

"Tivemos um pouco mais de privacidade. Mas a gente passa muito tempo na igreja fazendo atendimentos. Mas, apesar disso, estamos sempre à disposição. À noite, as pessoas ligam, informam que alguém faleceu ou que está doente no hospital e nós temos de estar prontos para atendê-los. Não posso dizer “não” e descansar. Tenho que ajudar. É uma necessidade para qual me consagrei", esclareceu.

Para Flávio Colins, a experiência no Cohatrac tem sido muito boa, mas logo no início de seu sacerdócio sua vontade era ir para a região de Humberto de Campos, onde havia carência de padres. Após sete anos no seminário, ele poderia ir para qualquer igreja da Arquidiocese de São Luís, mas havia decidido com mais dois amigos que iriam para a cidade de Santo Amaro. "É um desafio porque tem muita areia, muita água, tem de andar a cavalo. O acesso é muito difícil", relatou.

Mas os planos foram abortados quando foi convidado para fazer mestrado em Roma. Após quatro anos, voltou para São Luís e, por ser o único maranhense especializado em Exegese Bíblica, foi designado para dar aulas na faculdade, instalando-se como vigário na comunidade de Nossa Senhora de Nazaré. "Não é uma decisão só nossa. Somos consultados. Mas é a igreja que decide. Quando eu pensei em ser padre não pensava em uma localidade, somente em ser padre da Igreja de Cristo", frisou.

Quando escolheu ser seminarista, seus pais Euclides Eustáquio Colins e Hilda Marques Colins, já falecida, não se opuseram. "Papai, como todo pai de família, tinha sonhos para os filhos. Ele queria que a gente fosse advogado, doutor, professor; que a gente ganhasse dinheiro. Mas não teve objeção quando decidi pelo sacerdócio", explicou Flávio Colins.

Segundo ele, quem enfrentou maior dificuldade foi o irmão mais velho, que também é padre. O pai não gostou da ideia, mas depois se acostumou. "Quando entrou no seminário, logo depois ele foi para Roma. Para papai foi o melhor que podia ter acontecido, porque dizia para todo mundo que o papa tinha mandado chamar o filho dele para lá. Para ele, foi maravilhoso, melhor do que ser advogado", contou.

Flávio Colins acredita que uma conversa talvez tenha sido a única influência do irmão em fazê-lo querer receber o sacramento da Ordem. A pergunta: "Você já teve uma namorada?". A resposta: "Namorada não, mas paquerei aqui, acolá". O irmão disse que seria bom que ele tivesse essa experiência para ter certeza da decisão que estava tomando.

"Dos 13 aos 18 anos deu para viver muita coisa. Tudo o que um adolescente normal daquela época vivia. Então, foi uma influência boa. No mesmo ano, tive uma namorada, me apaixonei. Um namoro de um ano e meio. No auge do relacionamento, o desejo de ser padre foi mais forte. Então, entrei para o seminário", contou.

Hoje, são poucas as coisas do passado que ele sente falta. Mas, segundo Flávio, há atividades que, como um homem religioso, se questiona se deve ou não fazer. Frequentar certos lugares, naturalmente, deixa sempre abertura para os comentários. Ir ao cinema, por exemplo, é uma delas.

"Com quem ir ao cinema? Você vai com amigos. Com padre é diferente. Se vai com uma mulher, o padre está namorando; se vai com amigo ou com outro padre, as pessoas querem saber quem é. Somos pessoas públicas. Querendo ou não, tudo o que a gente faz vai ter uma repercussão. Eu não ligo muito, mas me questiono se deveria ir ou não. Por isso, às vezes prefiro ficar em casa", ponderou.

O clesma, a gola branca utilizada pelos padres, não faz parte do vestuário cotidiano de Flávio Colins, que prefere vestir roupas mais confortáveis. De acordo com ele, o uso desse sinal distintivo pode causar uma barreira entre ele e as pessoas. "Claro que em momentos propícios eu o utilizo, mas sem ele as pessoas irão saber quem sou pelo meu modo de falar e agir. Sou uma pessoa normal, mas procuro me distinguir pelo comportamento", comentou.

A falta do clesma causou, certa vez, um desconforto em uma senhora que chegou a brigar com ele no confessionário. "Ela disse que se me visse no ônibus poderia me paquerar e estaria pecando por minha culpa, porque eu não mostrava que eu era padre. Aí brinquei com ela dizendo que ela não poderia paquerar qualquer um no ônibus", afirmou.

Padre teve educação rígida do pai

Quinto filho de uma família de três irmãos e três irmãs, aos 3 anos Flávio Colins saiu com a família de Santa Rita, onde nasceu, e se instalou em Rosário. Ele lembra que, quando criança, seu pai, lavrador, sempre o levava para o campo para ajudá-lo no trabalho. Durante o dia, não havia quase nenhum diálogo entre eles, pois o pai era um homem de poucas palavras. "Ele primava pela nossa educação e pregava que filho tinha de obedecer ao pai. Não falávamos palavrões e obedecíamos aos mais velhos", afirmou.

Apesar disso, por várias vezes no caminho de volta para casa, enquanto seu pai seguia por um caminho, ele ia por outro. Tudo para encontrar os amigos e jogar bola, o que mais gostava de fazer na época. Fazia escondido porque o pai não permitia. "Minha mãe sabia, mas me protegia. Hoje meu pai sabe, mas já sou grande para apanhar", brincou ele, que chegou a representar sua escola nos Jogos Escolares Maranhenses (JEMs).

Flamenguista de coração, jogava no gol e como atacante. "Hoje jogo bola quando vou para Rosário, para a casa do meu pai. Mas assisto a poucos jogos na televisão por causa dos compromissos", contou o padre.

Outra paixão de Flávio Colins é a música. Sempre com um violão, o padre gosta de preparar os momentos de louvor das celebrações. "Meu canto é mais funcional. Serve para o exercício do meu apostolado, no ministério. As pessoas comentam que poderia gravar um CD, porém não gostaria de vincular meu nome ao canto", asseverou.

Sobre o fato de vários padres terem se tornado cantores, Flávio Colins acredita que há problema quando o canto deixa o discurso em segundo plano. "Já vi casos de padre fazer uma homilia bonita e as pessoas reclamaram porque ele não cantou. Dizem que a missa não prestou. Absolutamente, não quero isso para mim", finalizou.

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