"Estrada para Perdição" estréia esta sexta-feira

O Globo

Atualizada em 27/03/2022 às 15h28

O caminho para a fama costuma ser longo e penoso. Há três anos, Sam Mendes teve a sorte de pegar um atalho chamado “Beleza Americana”. Mas os cinco Oscars conquistados pelo filme, incluindo os de melhor produção, direção e roteiro, acabaram se transformando num fardo para o diretor britânico, que desde então viveu sob a cobrança de gerar outra obra de igual repercussão. Pressão só comparada à que antecedeu à realização de sua estréia no cinema.

— Depois do Oscar, passei vários meses paralisado pela dúvida sobre o que fazer em seguida. Foi um momento tão angustiante quanto o que senti na época em que estava para dirigir “Beleza Americana”, meu primeiro filme. Naquela época, a idéia de ter uma única chance para provar minha capacidade era aterrorizante — conta Mendes.

O diretor parece ter encontrado a resposta para suas angústias em “Estrada para Perdição”, que entra em cartaz hoje. É uma típica história de pais e filhos que acontece no improvável universo dos gângsteres da Chicago dos anos 30. A inspiração surgiu de uma história em quadrinhos de Max Allan Collins e Richard Piers Rayner. Explícito na descrição de cenas violentas, a publicação ganhou um viés mais sensível em sua versão cinematográfica, conferido pelo roteiro de David Self e pela direção de Mendes.

O filme começou sua carreira comercial em agosto nos Estados Unidos, onde recebeu críticas animadoras, e participou do Festival de Veneza. Já se fala nele como um potencial candidato a várias categorias do próximo Oscar. O ator Tom Hanks está lá dando o seu aval, no papel de um matador de aluguel que esconde o trabalho sujo dos olhos da mulher (Jennifer Jason Leigh) e dos dois filhos pequenos.

É a primeira vez que vemos Hanks, o eterno bom moço da América, matando gente a sangue frio. Mas Sullivan, o seu personagem, não é um vilão com “V” maiúsculo, como diz o ator. Matar é apenas um meio de sobrevivência, uma herança que ele não quer passar para o filho. É também um gesto de agradecimento ao velho mafioso John Rooney (Paul Newman), aquele que o tirou da miséria e o criou como um filho.

— Foi esta ambigüidade que me fascinou no personagem. Não tenho interesse por tipos maus que são simplesmente maus, um desses psicopatas que lá pelo final do filme dizem coisas como: “Antes de matá-lo, senhor Bond, gostaria de mostrar-lhe as minhas instalações”. É muito chato — diz Hanks, com o humor que lhe é característico. — A idéia de interpretar um homem que é assustador e, ao mesmo tempo, adorável, capaz de dar a vida para que o filho não se torne alguém como ele, é maravilhosa.

Sam Mendes dirige Newman no filme

Filme segue temática de 'Beleza americana'

Hanks conseguiu algo genuinamente novo para o seu extenso currículo. Mendes, no entanto, de uma certa forma ainda permanece ligado ao universo temático de seu début. Não é muito difícil estabelecer paralelos entre o conteúdo deste “Estrada para Perdição” e “Beleza Americana”, drama sobre as neuroses da classe média moderna cujo poder corrosivo mexeu com meio mundo. Ambos se debruçam sobre os valores da família americana. A abordagem, o ponto de vista e o gênero escolhido para o novo tubo de ensaio antropológico são que determinam as diferenças.

— Sim, “Estrada para Perdição” também se equilibra sobre um lastro de humanidade. Mas este filme exigiu habilidades e sensibilidades totalmente novas para mim, como cineasta — justifica o diretor, que veio do teatro. — Primeiro porque é uma espécie de meditação sobre a violência, de proporções quase míticas. Segundo, é uma produção de época que procura evitar os clichês do gênero e que lida com temas absolutamente contemporâneos.

“Estrada para Perdição” é uma tragédia bíblica encenada durante a Grande Depressão. A vida dupla de Sullivan vem à tona quando seu filho mais velho, Michael (Tyler Hoechlin), de 13 anos, acidentalmente testemunha uma das execuções do pai. Sentindo-se ameaçado pelo episódio, Rooney, um dos braços-direitos de Al Capone, ordena a eliminação de Sullivan e sua família. Sobreviventes do massacre, pai e filho fogem rumo a Perdição, cidade que serve de abrigo e metáfora para a encruzilhada em que se encontram.

Mendes conta que leu o roteiro de David Self antes mesmo de conhecer os quadrinhos. E que isto foi determinante para que o filme resultante tivesse uma identidade visual própria, diferente das ilustrações do livro.

— Quando finalmente tive a oportunidade de ler os quadrinhos, cheguei a pensar que alguém como John Woo seria a pessoa mais indicada para fazer uma versão cinematográfica daquela história. Woo tem as habilidades necessárias para transformar a violência explícita do livro em algo belo e magnificamente coreografado — entende o diretor. — Mas a idéia que eu tinha em mente para o filme, no entanto, era completamente diferente. Ela está mais próxima dos quadros de Rembrandt ou de Edward Hopper. Ou mesmo das fotografia em preto-e-branco da época do que o estilo das ilustrações do livro.

Hanks aprova a concepção de Mendes.

— A violência do filme é humana, não é glamourizada como é comum em Hollywood. “Estrada para Perdição” não é uma dessas histórias de ação em que a violência é inconseqüente, explorada como diversão. Aqui, as mortes e os tiroteios acontecem de forma rápida e explícita, mas não foram imaginados como momentos recompensadores, como num filme de caubói em que John Wayne elimina um bandido e a platéia se sente aliviada — compara o ator.

No fundo, Mendes criou um filme de bandido e mocinho em que até o mocinho pode ser um bandido. Um filme de gângsteres em que os mafiosos se comportam como pais e/ou filhos rancorosos e amorosos:

— Minha intenção era tornar o familiar estranho e tornar o estranho familiar.

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