Genoma da malária pode ajudar no combate à dengue

O Globo

Atualizada em 27/03/2022 às 15h29

RIO - Por trás da iniciativa conjunta de Estados Unidos e Grã-Bretanha de seqüenciar o parasita Plasmodium falciparum e o mosquito Anopheles gambiae, está o brasileiro Carlos Morel. Desde 1991, ele coordena esforços mundiais para debelar a malária. Em entrevista o 'Globo', ele explica como o Brasil e as pessoas que sofrem nas regiões mais afetadas pela doença podem ser beneficiadas por esses avanços. O Plasmodium falciparum é o causador da pior forma de malária. O Anopheles gambiae é o principal mosquito transmissor. O seqüenciamento do genomas de ambos foi anunciado nesta quarta-feira.

As informações obtidas com o seqüenciamento do Anopheles gambiae e do Plasmodium falciparum podem ser usadas para a melhor compreensão das espécies responsáveis pela propagação da doença no Brasil? Podem ajudar também na compreensão dos mecanismos do dengue?

CARLOS MOREL: A seqüência de um dos mosquitos serve como plataforma para os outros. Não é necessário seqüenciar os outros inteiramente, basta ir nas regiões que interessam. Acho que o Brasil não precisa gastar dinheiro e seqüenciar o Anopheles darlingi. Basta acompanhar o que está ocorrendo e aproveitar as informações. Como elas estão disponíveis, isso beneficia muito o Brasil e outros países. O Plasmodium vivax, o mais freqüente no Brasil, já está sendo seqüenciado por alguns integrantes do consórcio. Outros pretendem ainda seqüenciar o Aedes aegypti, principal transmissor do dengue e de outras doenças importantes.

Considerando os aspectos práticos e os impactos sobre a biodiversidade, o senhor acha viável a introdução de um mosquito transgênico (incapaz de transmitir a malária) em uma floresta como a Amazônica?

MOREL: Essa ainda é uma pergunta a ser respondida a longo prazo. No momento, existem apenas trabalhos em laboratório e ninguém pensa em começar uma experiência desse tipo sem antes responder a milhares de perguntas.

Qual a chance real de as crianças africanas, as mais afetadas pela malária, terem acesso a eventuais novas drogas que surjam em decorrência dessas informações, uma vez que elas mal conseguem receber os remédios disponíveis atualmente?

MOREL: Precisamos pensar de outra forma. Não podemos comparar o drama da malária com a situação dos medicamentos para Aids, que são muito mais caros e devem ser tomados por toda a vida. No caso da malária, uma vacina dada a cada três anos poderia resolver. A África perde anualmente US$ 12 bilhões por causa da malária: a relação custo-benefício seria positiva. A ciência tem que fazer seu papel e o setor público também, é claro. É possível descobrir brechas no sistema, o Brasil provou isso com a questão dos remédios para a Aids.

Em quanto tempo o senhor acha que poderemos ter novas drogas ou uma vacina eficaz?

MOREL: O potencial para novas drogas e inseticidas é muito grande e eles podem ser desenvolvidos a curto prazo. O maior problema, um possível gargalo nesse processo, a meu ver, é a falta de especialistas em bioinformática capazes de avaliar as informações dos genomas disponíveis na internet. Há poucos especialistas nessa área e a maioria trabalha nas grandes corporações, pesquisando outras coisas. Precisamos treinar mais profissionais. Quanto à vacina, acho que vai demorar mais tempo: as estimativas são de dez a 30 anos. É bom lembrar que nunca se desenvolveu vacina contra um parasita, apenas contra vírus e bactérias.

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