Cantores bregas dos anos 70 também foram perseguidos pela censura

Globo On Line

Atualizada em 27/03/2022 às 15h31

Responda rápido: quem teve músicas mais censuradas pela ditadura dos anos 70? Caetano, Gil ou Odair José? A resposta certa é o cantor cafona, autor de hinos bregas como 'Pare de tomar a pílula' e 'Essa noite você vai ser minha'. Mas por quê? Era o que Odair se perguntava até meados dos anos 90, quando foi informado da colocação no ranking histórico pelo professor de História e pesquisador Paulo César de Araújo, 40 anos, que lança este mês no Museu da República o esclarecedor 'Eu não sou cachorro, não'.

No livro de quase 400 páginas, Araújo prova que os chamados cantores populares da linhagem de Odair, como Paulo Sérgio, Waldick Soriano, Nelson Ned, Agnaldo Timóteo e outros então tachados de cafonas (o termo 'brega' só surgiu nos anos 80), foram tão contestadores e de esquerda no período da repressão quanto a geração surgida durante os festivais dos anos 60 (Chico Buarque, Caetano, Gil, Geraldo Vandré etc). Vamos aos fatos:

Em 29 de abril de 1973, o diretor do Serviço de Censura de Diversões Públicas da Guanabara justificou a proibição da balada 'Em qualquer lugar', de Odair José, afirmando que o texto da música era 'descritivo de atitudes comportamentais abusivas ao desejo sexual, atentado ao pudor e exaltação do amor livre'. O flagrante, sublinhava o censor, aparecia logo na primeira estrofe: 'Se você quiser/ a gente pode amar/ no meio deste mundo/ em qualquer lugar/ dentro do meu carro/ parado em um jardim/ debaixo do chuveiro.'

Problema semelhante, lembra Araújo, Odair enfrentou em 1974 com 'A primeira noite de um homem', que seria a principal faixa do LP 'Lembranças'. Inspirada no título brasileiro do filme que revelou o ator Dustin Hoffmann, a canção dizia: 'A primeira noite de um homem é uma noite tão confusa/ é uma noite tão estranha/ meu desejo era tanto/ que eu nem sabia por onde começar/ o meu corpo esquentava/ eu tremia/ não conseguia falar'. Encaminhada ao mesmo serviço de censura, a letra foi vetada porque 'como a música é de índole popularesca e seria consumida por público jovem, torna-se mais ainda contra-indicada sua liberação'.

É Odair quem faz cair a ficha do leitor: 'O que rolava na MPB era o namoro no portão sob a luz do luar. Eu vim falando de cama, de pílula, de puta, de empregada doméstica, porque essa é a realidade do Brasil. Eu sou um cantor da realidade. Então, foi por isso que eu me tornei um artista polêmico e a Censura começou a me proibir', diz o cantor, no livro de Araújo.

Odair não foi o único. Em sua pesquisa de sete anos, que incluiu um mergulho de dois anos nos arquivos da Censura, Araújo descobre que até mesmo os 'adesistas' Waldick Soriano, Nelson Ned e Lindomar Castilho (resgatado agora pelo hit 'Doida Demais', tema do programa 'Os Normais') tiveram canções censuradas ou problemas entre 1968 e 1978. A década, período abordado, foi escolhida pelo autor porque corresponde aos exatos dez anos de duração do Ato Institucional npar 5, que oficializou a ditadura militar no Brasil.

É nesta data, situa o autor, que se registram marcos históricos da época, como a morte do estudante Edson Luiz no Rio, a invasão da Universidade de Brasília e a Passeata dos Cem Mil contra o governo.

Claro, nenhum dos cafonas (termo cunhado pelo comunicador Carlos Imperial) teve relação direta com nenhum desses acontecimentos. Eram todos alienados das questões políticas. Sua combatividade de esquerda, admite o autor, era inconsciente. Nenhum deles escrevia letras ou cantava com intenção de protesto:

— Os episódios políticos de 1968 causaram impacto na classe média mais intelectualizada e em seus setores populares organizados. Nos segmentos sociais mais pobres, origem de todos os artistas cafonas, não tiveram grande repercussão — observa Araújo.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.