Relembre

Há 10 anos, Metal Open Air acontecia em São Luís

O festival entrou para a história como uma das aventuras musicais mais ambiciosas já registradas.

Juliano Amorim/Na Mira

- Atualizada em 28/12/2022 às 12h59

SÃO LUÍS - Nem bem soavam os acordes distorcidos das guitarras, quando o clima de incertezas começou a pairar entre o público que chegava ao Parque Independência, em São Luís, para acompanhar aquele que deveria ser o maior festival de metal já apresentado no Brasil. 

O Metal Open Air (MOA), marcado para ser realizado entre os dias 20 a 22 de abril de 2012, entrou para a história como uma das aventuras musicais mais ambiciosas e frustrantes já registradas, com shows cancelados, queixas de contratantes, dificuldades de logística para acomodar as atrações e problemas de infraestrutura no local do evento. 

Há 10 anos, Metal Open Air acontecia em São Luís
Há 10 anos, Metal Open Air acontecia em São Luís

Não chegava a ser uma novidade, àquela altura, a realização de grandes espetáculos, mesmo em cenários adversos, em terras brasileiras: o país registrou, entre os anos 1970 e 1980, concertos musicais notáveis, como o Festival de Saquarema, realizado durante o verão carioca de 1976; o Festival de Águas Claras, precisamente registrado no documentário ‘O Barato de Iacanga” (Thiago Mattar/2019) e a primeira edição do Rock in Rio, em 1985, considerada “uma maluquice”, nas palavras do criador do evento, Roberto Medina, tamanha a sua ousadia. 

O MOA parecia ter à espera um caminho luminoso, no que dependesse do projeto encampado pela Lamparina Produções, uma das responsáveis pela organização dos shows. O sonho dos produtores, gestado pelo menos três anos antes do fatídico festival, pretendia incluir São Luís no mapa de shows internacionais, além de dar um importante passo para a história de um dos gêneros musicais mais venerados do Brasil, com milhões de fãs. 

As ideias discutidas, no início, incluíam a realização do Wacken Open Air; um dos maiores festivais de metal do mundo, sediado na Alemanha. As negociações, com previsões de shows em São Paulo, estavam avançadas, próximas a uma conclusão, que acabou não chegando ao fim, devido às divergências contratuais entre as partes. 

Entre idas e vindas, durante as mediações que incluíam nomes de alguns produtores do ramo de shows de metal no Brasil, fixou-se, em São Luís, o endereço do tão comentado festival. Após burburinhos na internet, o line-up foi oficializado e a venda do primeiro lote de ingressos, confirmada, em dezembro de 2011. 

Bandas de quilate internacional, como Blind Guardian, Anthrax e um dos bastiões do trash metal, Megadeth, surgiram como opções para os fãs ávidos, que ainda poderiam acompanhar as performances de grupos nacionais, como Attomic, Drowned e Shaman. 

Em 2012, ano das comemorações do quarto centenário ludovicense, o vigor frenético do metal se insinuava como trilha sonora da capital em que o reggae, com entusiasmo sem precedentes, havia sido abraçado, décadas antes. 

A animação provocada pelas mais de 40 atrações confirmadas se intensificou com as expectativas de uma recepção à altura, conforme prometido pela organizadora. Praça de alimentação, estacionamento, lago artificial e atividades recreativas foram algumas das ilusões semeadas à revelia das reais condições estruturais do Parque Independência. 

O local, conhecido por receber, tradicionalmente, uma das maiores feiras agropecuárias do Maranhão estava, na sexta-feira, 20 de abril, um deserto: literal, em sua aridez e calor – relatados pelos pagantes de outras regiões –, e em metáfora, quando as promessas de diversão e salubridade vinham como miragens. E, sim, a sede era de rock. 

Dentre os 47 artistas anunciados, apenas 14 subiram ao palco. O grupo Megadeth, headliner da primeira noite, se apresentou, brevemente, entregando um espetáculo de duração inferior ao esperado. A configuração do som, inapropriada para os riffs ágeis de Dave Mustaine e companhia, pesou na opção pelo encerramento precoce do show. 

Dave Mustaine, líder do Megadeth, encerra a primeira noite do MOA
Dave Mustaine, líder do Megadeth, encerra a primeira noite do MOA

Apresentações “solidárias”, sem a cobrança de cachê, como a do grupo Almah, liderado pelo ex-vocalista do Angra, Edu Falaschi, não foram sequer a tônica do MOA, cujas bandas escaladas, em velocidade recorde, cancelaram as apresentações com justificativas variadas, desde o descumprimento de contratos e ausência de hospedagem nos termos combinados, até a falta de contato mais assertivo com os membros da produção. 

Nos dois dias em que o evento aconteceu, o emaranhado caótico de pessoas deslocadas, no Parque Independência, e nas ruas de São Luís, intensificou o sentimento de imprudência dos responsáveis por capitanear um festival de proporções incompatíveis com as informações divulgadas. Problemas com empresas patrocinadoras e o governo do estado — que recusou a liberação de verba proposta —, se somaram ao antiprofissionalismo e à falta de comunicação. 

Falta de locação adequada levou parte do público a acampar nos estábulos.
Falta de locação adequada levou parte do público a acampar nos estábulos.

No calor viscoso, a pressa e a fúria se intercalavam em lampejos de euforia, quando o balançar das longas cabeleiras de parte do público punha pra fora os sentimento primários de um festival de música: emoção, diversão e som. O desejo de que o MOA, enfim, engrenasse sucumbiu aos pés da realidade; junto ao somatório de perrengues. 

Furtos, invasões e a ocupação dos estábulos - na ausência de locações adequadas -, comprometeram a integridade do público, desassistido e, mais ainda, vulnerabilizado, diante da matéria fétida acumulada em poucos dias. Dejetos e desespero, entre a lama e a chuva, completavam a paisagem do festival sem festa. No terceiro dia, nada de ressurreição: o evento foi cancelado. E o corte de luz do local consumou o fracasso do Metal Open Air, que, sem ponto final, repercute em questões jurídicas até os dias de hoje.

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