28 de setembro de 1908, morria Machado de Assis

Leitores e Livros

Atualizada em 27/03/2022 às 15h29

“Ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada. Abriram-na. Apareceu um desconhecido: um adolescente de 16 a 18 anos no máximo. Perguntaram-lhe o nome, declara ser desnecessário dizê-lo: ninguém ali o conhecia, não conhecia por sua vez ninguém: não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura dos livros que o encantavam... Que o desculpassem, portanto. Se não lhe era dado ver o enfermo dessem-lhe ao menos notícias certas do seu estado. E o anônimo juvenil vindo da noite foi conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre: beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-a depois por momentos ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu”.

O texto é de Euclides da Cunha (“A última visita”, Revista do Grêmio Euclides da Cunha, de 15 de agosto de 1915), que com Coelho Neto, Raimundo Correia, Rodrigo Otávio, Graça Aranha, José Veríssimo, estava no casarão da Rua Cosme Velho, 18, naquela noite de 27 de setembro de 1908. Na madrugada do dia 28, morria ali Joaquim Maria Machado de Assis. O jovem que Euclides da Cunha registrou visitando o moribundo era Astrogildo Pereira, que naquele mesmo ano liderou as greves operárias no Rio pela conquista das oito horas de trabalho. Astrogildo se tornaria fundador do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, e crítico literário com notáveis trabalhos sobre Machado de Assis.

O morto aqui lembrado, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, é imortal eternamente. Na cadeira 23 ou na presidência da instituição, não passou em brancas nuvens, a ponto de a ABL também ser chamada Casa de Machado de Assis. Filho de operário e mulato, criado no morro do Livramento, no Rio, se tornou um nome ímpar na literatura brasileira.

Machado de Assis, o sempre imortal

Sem meios para cursos regulares, foi um autodidata e, em 1855, com 16 anos incompletos, publicou o primeiro trabalho literário, o poema "Ela", na Marmota Fluminense, jornal de Francisco de Paula Brito, em 12 de janeiro de 1855. No ano seguinte, entrou para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu Manuel Antônio de Almeida, que se tornou seu protetor. Em 1859, era revisor e colaborador no Correio Mercantil e, no ano seguinte, a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer à redação do Diário do Rio de Janeiro. Escrevia regularmente também para a revista O Espelho, onde estreou como crítico teatral, A Semana Ilustrada, de 16 de dezembro de 1860 até, pelo menos, 4 de julho de 1875, Jornal das Famílias, no qual publicou de preferência contos.

O primeiro volume de Machado de Assis foi impresso, em 1861, na tipografia de Paula Brito, com o título “Queda que as mulheres têm para os tolos”, mas o nome de Machado aparecia como tradutor. Em 1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava ingresso livre nos teatros. Começou também a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, saiu em 1864. Em 1867, foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial. Em agosto de 1869, morreu Faustino Xavier de Novais e, menos de três meses depois (12 de novembro de 1869), Machado de Assis se casou com a irmã do amigo, Carolina Augusta Xavier de Novais.

O primeiro romance de Machado, “Ressurreição”, saiu em 1872. Pouco depois, o escritor foi nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, iniciando assim a carreira de burocrata que lhe seria até o fim o meio principal de sobrevivência. Em 1874, começou a publicar, em O Globo de então (jornal de Quintino Bocaiúva), em folhetins, o romance “A mão e a luva”. Intensificou a colaboração em jornais e revistas, como O Cruzeiro, A Estação, Revista Brasileira (ainda na fase Midosi), escrevendo crônicas, contos, poesia, romances, que iam saindo em folhetins e depois eram publicados em livros. Uma de suas peças, “Tu, só tu, puro amor”, foi levada à cena no Imperial Teatro Dom Pedro II (junho de 1880), por ocasião das festas organizadas pelo Real Gabinete Português de Leitura para comemorar o tricentenário de Camões, e para essa celebração especialmente escrita. De 1881 a 1897, publicou na Gazeta de Notícias as suas melhores crônicas.

Em 1881, o poeta Pedro Luís Pereira de Sousa assumiu o cargo de ministro interino da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e convidou Machado de Assis para seu oficial de gabinete (ele já estivera no posto, antes, no gabinete de Manuel Buarque de Macedo). No mesmo ano, saiu também o livro que daria uma nova direção à carreira literária de Machado de Assis: “Memórias póstumas de Brás Cubas”, que ele publicara em folhetins na Revista Brasileira de 15 de março de 1879 a 15 de dezembro de 1880. Revelou-se também extraordinário contista em “Papéis avulsos” (1882) e nas várias coletâneas de contos que se seguiram. Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio no Ministério em que servia.

A obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o Romantismo de “Crisálidas” (1864) e “Falenas” (1870), passando pelo Indianismo em “Americanas” (1875), e o Parnasianismo em “Ocidentais” (1897-1880). Paralelamente, apareciam as coletâneas de “Contos fluminenses” (1870) e “Histórias da meia-noite” (1873); os romances “Ressurreição” (1872), “A mão e a luva” (1874), “Helena” (1876) e “Iaiá Garcia” (1878), considerados como seu período romântico. A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas: “Memórias póstumas de Brás Cubas”, romance (1881); “Papéis avulsos”, contos (1882); “Histórias sem data” (1884); “Quincas Borba”, romance (1891); “Várias histórias” (1896); “Páginas recolhidas”, contos, ensaios, teatro (1899); “Dom Casmurro”, romance (1899); “Esaú e Jacó”, romance (1904); “Relíquias da casa velha”, contos, crítica, teatro (1906); e “Memorial de Aires”, romance (1908).

Em 1936, W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, publicou as Obras completas, em 31 volumes. Raimundo Magalhães Júnior organizou e publicou, pela Civilização Brasileira, os seguintes volumes de Machado de Assis: “Contos e crônicas” (1958); “Contos esparsos” (1966); “Contos esquecidos” (1966); “Contos recolhidos” (1966); “Contos avulsos” (1966); “Contos sem data” (1966); “Crônicas de Lélio” (1966); “Diálogos e reflexões de um relojoeiro” (1966). Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura e encabeçada pelo presidente da Academia Brasileira de Letras, organizou e publicou, também pela Civilização Brasileira, as Edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes, reunindo contos, romances e poesias desse escritor máximo da literatura brasileira.

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