SÃO PAULO - Além de encantar o mundo nos Jogos de Tóquio e conquistar a medalha de prata no skate street feminino, a Fadinha Rayssa Leal também venceu o Visa Award. Com votação popular, o prêmio do Comitê Olímpico Internacional (COI) reconheceu o atleta que melhor representou os valores olímpicos nesta edição.
Como ganhadora, Rayssa teve o direito de indicar uma instituição para ser beneficiada com uma doação de US$ 50 mil. A escolha da Fadinha foi a ONG Social Skate, um projeto social em Poá, na Grande São Paulo, que une esporte e educação há 10 anos. Para o fundador Sandro Soares, skatista conhecido como 'Testinha', foi a longevidade do trabalho da ONG que pesou na decisão de Rayssa.
O skatista Sandro Testinha levou um susto quando seu celular começou a tremer sem parar, com notificações de milhares de pessoas seguindo o perfil da ONG no Instagram. Era o efeito de uma postagem da Rayssa anunciando que estava concorrendo ao Visa Award e que, caso ganhasse, faria a doação para a Social Skate.
Com a menção da Fadinha, o número de seguidores da ONG saltou de 30 para 40 mil. "Fiquei muito feliz quando a Rayssa disse que nós já promovemos coisas boas para o skate desde antes de ela começar a andar", conta Testinha. O skatista também lembra que, quando a Fadinha ganhou a medalha na Olimpíada, ela fez questão de agradecer às gerações anteriores de seu esporte.
Talento da Rayssa
A relação de Rayssa com os membros da ONG começou logo antes da pandemia, quando eles se conheceram em algumas eliminatórias pré-olímpicas que aconteceram em São Paulo. A Social Skate costuma promover excursões periodicamente e, naquela época, levou seus alunos para dois campeonatos em que a Fadinha estava competindo. Como todos que assistiram à Olimpíada, as crianças ficaram impressionadas com o talento da Rayssa – tão nova quanto elas.
"Rolou tietagem e muitas fotos", conta Testinha. Depois, o skatista percebeu que os administradores do perfil da Fadinha estavam seguindo a ONG no Instagram e curtindo postagens. "Conheceram nossa missão e viram que estamos cumprindo-a há bastante tempo", comenta sobre a indicação de Rayssa.
Testinha já atua com projetos sociais há mais de 20 anos. Antes de fundar a ONG, desenvolvia um trabalho na Fundação Casa, antiga Febem. Porém, entre 2010 e 2011, o skatista sentiu vontade de influenciar positivamente a vida de crianças e adolescentes antes de que eles chegassem às medidas socioeducativas da instituição. Foi quando, junto com a pedagoga Leila Vieira, decidiu criar a Social Skate, em Poá, na Grande São Paulo, com o objetivo de unir esporte e educação.
Naquela época, o skate era visto como um esporte marginalizado e até mesmo transgressor de regras. Sem o atual glamour proporcionado pelas Olimpíadas, o início da ONG foi difícil, mas sua missão foi colocar o skate como uma ferramenta pedagógica e lúdica, que pudesse fortalecer vínculos sociais. "Para além do esporte de alto rendimento, o skate educacional entra para preencher várias lacunas. Ele melhora não só a saúde da criançada, mas também o entorno, toda a comunidade", diz Testinha.
O instrutor Mauro Sartorelli explica que, embora a ONG tenha potencial para desenvolver skatistas competidores, não é esse o foco principal. "Nosso objetivo é fazer com que nossos alunos entendam a situação social em que vivem, que saibam trabalhar em grupo e lidar com emoções", afirma.
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"Queremos melhorar um pouco a qualidade de vida deles, considerando que estão em um bairro periférico". Em turmas divididas por faixa etária, a Social Skate atende 150 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos. Ao todo, são sete educadores que se revezam nas aulas, além de assistente social para oferecer suporte aos alunos.
Seguindo os protocolos de segurança da pandemia, as atividades são realizadas em uma quadra no bairro de Calmon Viana, em Poá. Anos atrás, o espaço foi revitalizado pela ONG, depois de passar um período desassistido pelo poder público e ter sido usado como ponto de venda de drogas. Para a Social Skate desenvolver seu trabalho, Testinha conversou com os traficantes, que concordaram em ceder o local para a ONG. "Ocupar, revitalizar e fazer funcionar. Esses foram os 3 pilares que estabelecemos", diz o skatista.
A ONG Social Skate foi criada de maneira orgânica, sem planejamento financeiro. Em 2010, era o início do boom das redes sociais, que foram usadas para chamar atenção para o projeto. Seus primeiros apoiadores foram os próprios skatistas que, colegas de Testinha, viram fotos e decidiram ajudar. Nomes como Bob Burnquist, Sandro Dias Mineirinho e outros não tão conhecidos do grande público – como Luan de Oliveira e Rodrigo Tx – passaram a doar equipamentos usados e em boa qualidade para a ONG.
Nessa época, os fundadores Sandro Testinha e Leila Vieira colocavam dinheiro do próprio bolso para patrocinar a Social Skate. Com o tempo, foram descobrindo como se candidatar para Leis de Incentivo e se tornaram beneficiários. Além disso, foram convidados para alguns programas de televisão e conseguiram maior visibilidade, o que ajudou a captar patrocínio direto de grandes empresas – dentre elas, Nike, Vans e Centauro. "Como eu costumo dizer, é muito semelhante ao carnaval: acabamos de lançar um projeto, já precisamos pensar como vamos fazer para o próximo ano", diz Testinha.
Com relação aos US$ 50 mil que serão recebidos por causa do Visa Award, a ONG está aguardando um processo burocrático para saber quando o recurso vai chegar e se haverá regras para sua utilização. É possível, por exemplo, que o dinheiro tenha de ser destinado especificamente para compra de equipamentos, ou para investimento em recursos humanos, dentre outras possibilidades. "Independentemente do valor que recebermos e de como ele tiver que ser utilizado, esse dinheiro vai ampliar e melhorar o projeto", afirma Testinha. "Vai trazer mais dignidade para as crianças que atendemos aqui".
A fadinha da ONG
Por incentivo de um vizinho, Ana Clara Gonçalves começou a andar de skate com 6 anos, na rua de sua casa. Não demorou muito até que a menina ouvisse falar da ONG Social Skate em um programa de televisão, e seu pai se empolgasse para conhecer o projeto. Matriculada, Ana Clara não só aprendeu manobras como também fez amizades, conheceu lugares novos e, principalmente, se divertiu. "O skate me tirou do meu mundinho. Quando eu comecei, eu não tinha nenhum amigo", diz. "Hoje eu posso falar que tenho mais de 10 colegas para andar comigo."
A garota tem a skatista Rayssa Leal como uma de suas maiores inspirações, desde antes das Olimpíadas. "Lembro de ser bem pequena quando assisti ao vídeo da Rayssa mandando manobra na escada, com a fantasia de fadinha", conta. Por causa das semelhanças de idade e talento, os colegas de Ana Clara passaram a chamá-la carinhosamente de "fadinha da ONG". Além de Rayssa, a adolescente também se espelha em outras skatistas brasileiras, como Pâmela Rosa e Letícia Bufoni.
Ana Clara foi aluna da ONG até seus 15 anos, quando se tornou instrutora. Missão recente, a jovem procura passar o que aprendeu durante esse longo período. "Nunca imaginei que chegaria a dar aulas, mas é muito gratificante", conta. Para a fadinha da ONG, a interação com as crianças está entre as maiores recompensas do trabalho. São momentos que Ana Clara diz que levará para a vida: "Tia, estava com saudade. Aprendi a manobra que você falou para eu tentar".
Como instrutora, a fadinha da ONG tem um cuidado especial com as meninas, por ter vivenciado o machismo na infância. "Já ouvi de familiares meus que é um esporte de menino", diz. Para Ana Clara, a representatividade trazida pelas skatistas brasileiras nas Olimpíadas foi muito importante e gerou um incentivo para as garotas começarem a andar. "Temos que acreditar nos nossos sonhos e confiar no nosso potencial", afirma. "Sempre existirão pessoas para nos criticar, mas sempre existirão outras para nos apoiar".
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