
Páscoa de luz e de cruz
O mundo está disperso num frenesi infinito. Há um movimento de inquietude que alterou o curso das coisas simples — a pausa no caminho, o descanso da alma, o silêncio do ser. Isso traz consequências, e nós as sentimos cotidianamente.
O mundo está disperso num frenesi infinito. Há um movimento de inquietude que alterou o curso das coisas simples — a pausa no caminho, o descanso da alma, o silêncio do ser. Isso traz consequências, e nós as sentimos cotidianamente.
Há momentos em que o silêncio nos envolve como um véu espesso. Instantes em que tudo parece ruir por dentro, e o mundo ao redor se torna uma paisagem distante. Quem nunca se sentiu assim? Isolado, incompreendido, esvaziado de sentido? É justamente nesses momentos que a Páscoa se revela — não como uma festa distante ou um rito litúrgico formal —, mas como um mistério que nos atravessa, nos toca e nos renova.
A cruz de Jesus não é apenas um símbolo de sofrimento. Ela é o lugar mais humano da história divina. Ali, suspenso entre o céu e a terra, Jesus experimenta o abandono absoluto: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Essa dor, esse grito, ecoa em nossos próprios desertos existenciais. Há dias em que nos sentimos assim — sem mais nada a oferecer, com as mãos vazias e o coração em pedaços. Como aquela caixa d’água exaurida, que já não verte senão o lodo esquecido em sua tubulação.
Mas é exatamente nesse ponto de esgotamento que o mistério pascal se abre como um novo horizonte. Jesus, mesmo pregado à cruz, mesmo no ápice da dor e da solidão, ainda oferece palavras de acolhimento e consolo. Ao ladrão arrependido que agoniza ao seu lado, ele não oferece julgamento, mas esperança: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. É como se dissesse: mesmo agora, mesmo aqui, ainda há redenção. Ainda há paraíso. Esse “hoje” é o tempo total e pleno do retorno — onde o eterno abraça o humano num pacto nupcial. Não o “hoje” do imediato que nos aprisiona, mas o “hoje” do presente vivido com inteireza, sentido em sua essência — como o calor de um abraço.
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A Páscoa é rica em gestos. O lava-pés, tão singelo e tão profundo — e, ao mesmo tempo, tão radical — mostra-nos que o caminho da salvação passa pelo serviço humilde, pelo amor que se ajoelha, que toca, que acolhe. Quando tudo em nós quer se fechar, isolar-se, fugir do outro, a memória daquele gesto nos convida a permanecer no cuidado, mesmo quando dói.
O silêncio do Sábado Santo — esse dia entre a morte e a vida — é o tempo da espera, da gestação de algo que ainda não vemos. O túmulo ainda está fechado, mas a vida já começa a brotar na escuridão. É um tempo que conhecemos bem: o tempo em que parecemos soterrados pela dor, mas em que Deus, em segredo, prepara a ressurreição. Como diz Machado de Assis, “para as flores, o jardineiro é eterno”.
Sim, a cruz é real. A dor é real. O abandono também. Mas não são a última palavra. A última palavra é vida. É recomeço. É ressurreição.
Na escuridão da cruz, já raiava a luz do terceiro dia. A dor não nos define. O vazio não nos encerra. Porque a Páscoa é a promessa de que toda morte pode ser vencida, e todo pranto pode ser transformado em alegria — mesmo no silêncio. Porque a alegria nada tem a ver com euforia. É sentido e presença. É luz que ressurge, teimosa — mesmo da cruz.
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