Com a inescapável revolução digital, gravitando tudo e todos para seu núcleo de Admirável Mundo Novo (ou Louco), a arte e os artistas vivem uma encruzilhada de espanto e vertigem criativa. Homens e máquinas se confundem nas brumas do humano real e da máquina artificial, um refletindo o outro, num emaranhamento quântico, onde tudo é dúvida. "Traduzir uma parte na outra parte, será arte?".
Faço essa reflexão a propósito de como definirmos ou reconhecermos, hodiernamente, o legítimo poeta com sua legítima poesia. "O ESTILO É O HOMEM". Eis que George-Louis Lecrerc me socorre, e o verdadeiro artista escapa da inteligência artificial, do buraco negro dos metaversos reluzindo a artificialidade. Eis por que o poeta José Sarney e sua poesia são legitimados como artista e arte, na originalidade do seu ser e do seu fazer poético.
O poeta Sarney é o seu estilo, a sua poesia é a antena da raça, sua voz inconfundível, sua alma local e universal, lirismo, metáforas e epifanias únicos, onde cabem suas angústias, esperanças, o seu Maranhão, sua paixão, o gênio e engenho lapidando versos luminosos como um rio de palavras alinhavando pelo caminho flora, fauna, infância e premonição de uma vida odisseica e romanesca. "Mundo dos pássaros/ e dos passares/ mundo das faces/ brutais e pérfidas/ mundo dos olhos/ puros e castos/ fonte de estrelas/ perdidas, / nunca encontradas/ na funda alma de/ inverno e chuva. /Mundo, meu mundo/ que vários caminhos/ em ti vão dar?"
O canônico poeta do nosso modernismo, Manuel Bandeira, com o qual Sarney teve convivência presencial, entediado com os críticos e puristas professorais e o excesso de imitação, na falta do talento, desabafou em seu poema POÉTICA: "– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação." O jovem Sarney, poeta estreante com Canção Inicial, no entanto, por consciência precoce, ou por puro transcendentalismo intuitivo, já seguia ou inaugurava o seu próprio percurso expressional, uma dicção particular, alheio às escolas literárias e modismos de plantão, sequer influenciado pelo festejado poeta português Fernando Pessoa, ou pelo seu amigo poeta Bandeira Tribuzi, a quem Sarney admirava por suas ideias vanguardistas. "EIS que a tarde busco/ e vejo somente a vida/ a escorregar levemente/ do mundo das pedras/ das mãos dos homens."
Em Canção Inicial, ao contrário do que o título induz, Sarney já se revela um poeta por inteiro, em ritmo, forma e poética com múltiplas possibilidades e recursos estilísticos, gerando o belo inaugural, um estranhamento estético que impacta o leitor mais sensível e despreconceituoso. "Medito sobre mim que já sou morto: /as canções fúnebres que me pesam/ como pedras no vazio do/ lembrar."
Os Maribondos de fogo é uma fonte de onde flui a memória atávica e premonitória (paradoxo necessário) do poeta, num caleidoscópio das paisagens e dos mistérios do Maranhão; um rio condutor da sensibilidade encantada e encantatória do eu poético sarneyano, gotejando neblinas de seivas poéticas cuja identidade desvela a dicção única de um poeta ao mesmo tempo iluminado de maranhensidade e de predestinação universal. "LONGA viagem imagina/ os ferros do varandão. /AS Lajes do cemitério /enterram os meninos todos /que conquistaram comigo/ cacimbas e gonçalalves. "
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Interessante observar (em Os maribondos de fogo, principalmente), como o poeta Sarney expressa seu universo interior, seu ser poético, a partir da realidade apanhada no chão de suas origens e raízes; a partir do seu microuniverso existencial, e o expande às dimensões do homem universal no tempo e no espaço. "Boiando dentro de escamas/ este sonho me navega/ com um recado de morte/ que recebi e não sei, / sabendo que assim serei."
Não se trata aqui de uma análise literária (da morfologia à estilística) sobre a poética sarneyana (por assim dizer), mas, sim, de um testemunho, de como um leitor sensível e atento, vê-se tocado poeticamente pelo Sarney poeta, poemas-pérolas discretamente adormecidos na seletiva biblioteca da Academia Maranhense de Letras onde o reencontrei à sombra da caudalosa prosa do aclamado escritor Sarney.
"Meu olhar é nítido como um girassol.../Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo", diz Fernando Pessoa. A poesia do poeta Sarney tem essa luz de girassóis, vaga-lumes e maribondos clarividentes da nossa aldeia e da aldeia global, a cada voo (ou verso), iluminando e despertando o ser poético que há em nós, homens e humanidade.
Inevitável, não definir o poeta Sarney, por ele mesmo:
"TENHO um encontro com Deus:
– José!
onde estão tuas mãos que eu enchi de
estrelas?
– Estão aqui, neste balde de juçaras
e sofrimentos."
*Alex Brasil é poeta
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