BRASIL - Do total de casos de feminicídio registrados em 2023 no Rio de Janeiro, 83% tiveram como motivo conflitos de relacionamentos. Entre eles, 42 autores cometeram o crime após uma briga, 20 por não aceitarem o fim do relacionamento, 17 foram praticados por ciúmes da companheira ou da ex-companheira e 6 por desconfiança de traição.
Os dados fazem parte do Dossiê Mulher 2024, divulgado nesta terça-feira (10), pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), do Estado do Rio de Janeiro, que produz o estudo de forma pioneira há 19 anos. O documento apontou ainda que em relação ao ano passado, o estado apresentou um recuo de 11% nos feminicídios. Em 2023 foram 99 vítimas, enquanto no ano anterior foram 111.
“O principal objetivo do Dossiê é fornecer estatísticas oficiais para a criação de políticas públicas, focadas na proteção, acolhimento e atendimento das mulheres vítimas e de todos que são atingidos por essas violências”, informou o Instituto.
Conforme a 19ª edição do Dossiê, em mais de um terço dos casos o uso da arma branca, como a faca, foi predominante, seguido por arma de fogo. A maior parte (85%) das mulheres foram vitimadas dentro de uma residência, sendo quase a metade entre 30 e 59 anos e 62% negras. Em cerca de 80% das mortes, os responsáveis foram os companheiros e ex-companheiros.
Entre os autores dos crimes, 57% tinham algum tipo de antecedente criminal, sendo que mais de dois terços eram por violência doméstica. Depois de cometerem os crimes, 70% dos autores foram presos em flagrante, após investigação policial ou entrega voluntária. Essa foi a primeira vez que o Dossiê Mulher analisou o consumo de álcool ou drogas pelos agressores. Segundo os dados, em 103 autores de feminicídios, 21 eram usuários de drogas e de álcool, 15 de drogas e 15 de álcool.
Família
Na avaliação do ISP, o feminicídio é um crime que atinge todo o núcleo familiar da mulher vítima. De acordo com o documento, 67 mulheres eram mães, e 40 dos filhos delas eram menores de idade na época do crime. Um dado alarmante é que em 15 ocasiões, os filhos testemunharam a morte de suas mães. Uma informação sensível é que, das 99 vítimas, 56 já haviam sofrido algum tipo de violência doméstica antes do crime e não denunciaram o agressor.
Violência Psicológica
O Dossiê comprovou pelo terceiro ano consecutivo, que a violência psicológica superou as demais, atingindo 36% do total de casos registrados no estado. “Caracterizada por abusos destinados a exercer controle por meio de comportamentos coercitivos, essa forma de agressão, somente em 2023, vitimou 51.019 mulheres, o equivalente a cerca de 140 casos por dia”, indicou o ISP, completando que o resultado representa uma alta de 17% na comparação com o ano anterior.
Nesse tipo de crime, 60% das vítimas tinham entre 30 e 59 anos. Metade das agressões partiram de companheiros ou ex-companheiros. “O mesmo percentual ocorreu dentro de residências, o local mais comum para esse tipo de delito”, comentou o ISP. Outro fato que chamou atenção em 2023, foi o recorde de casos de Violência Psicológica em ambiente virtual, que tiveram 2.157 vítimas, o que significa um acréscimo de 24% em relação a 2022. “Entre os delitos associados a essa forma de violência, o crime de ameaça foi o mais recorrente, com 43.333 vítimas, correspondendo a 85% das ocorrências”, mostrou o Dossiê Mulher.
Outros delitos
A violência doméstica e familiar atingiu cerca de 141 mil mulheres em algum tipo deste crime em 2023, o que representa 389 casos por dia. Dessas vítimas, mais de 22 mil denunciaram que foram vítimas de violências simultâneas, sendo 38% de violências psicológica e moral, 22% de física e psicológica e 13% de física e moral.
Nos crimes de violência sexual, o maior número de vítimas mulheres (4.759) sofreu estupro. Na sequência, 2.227 vítimas foram por importunação sexual, e 298 por assédio sexual. A maior concentração dessas vítimas (71%) foi na Região Metropolitana, seguida pelas Baixadas Litorâneas, com 7%.
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O estudo indicou ainda que houve uma redução de 3% dos estupros em 2023, em relação ao ano anterior. “Uma informação que chamou a atenção é a redução no tempo que as vítimas de estupro e estupro de vulnerável levaram para denunciar seus agressores, com 59% registrando o crime em até uma semana após o ocorrido, e 83% em até um ano - o que pode ser um reflexo do fortalecimento da confiança nas instituições policiais e na rede de apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro”, analisou o ISP.
Nos casos de estupros de vulnerável, 85% das vítimas tinham até 17 anos de idade, 46% dos agressores faziam parte do círculo de conhecidos dessas mulheres e meninas, e 72% dos casos ocorreram dentro de uma residência.
Violência física
Outra informação do documento é que as maiores vítimas de lesão corporal dolosa foram as mulheres. Em seguida sofreram tentativas de homicídio e de feminicídio. A grande maioria dos casos (72%) foi na Região Metropolitana. Além disso, a maior parte dos crimes de tentativa de feminicídio (91%), feminicídio (72%) e lesão corporal dolosa (67%), foi classificada sob a Lei Maria da Penha.
Dossiê Mulher
Quem quiser mais informações sobre o Programa Patrulha Maria da Penha - Guardiões da Vida e o aplicativo Rede Mulher, iniciativas de prevenção do governo do Rio, na direção do enfrentamento à violência contra a mulher, pode acessar a seção Saiba também do Dossiê Mulher
Os dados indicam que no ano passado, cerca de 22 mil mulheres foram atendidas pelo programa Patrulha Maria da Penha, o que representou uma alta de 61% em relação a 2022. Entre esses casos, 77% dos atendimentos estavam relacionados à fiscalização de medida protetiva. “Entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, 228 despachos foram gerados pelo aplicativo Rede Mulher - a maior parte ocorrendo às quintas e sextas-feiras, entre 13h e 23h. A maior parte dessas ocorrências eram alertas da rede mulher (80%)”, indicou o ISP.
Na 19ª edição, é a primeira vez que o Dossiê Mulher analisou dados sobre as ligações recebidas pelo Disque Denúncia, relacionados a violência contra a mulher. “Entre 2019 e 2023, 5.380 denúncias foram registradas. A Região Metropolitana concentrou 86% das chamadas e a maior parte aconteceu entre 12h e 16h”, concluiu.
A secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar, disse que a pasta vem trabalhando de forma transversal e com ênfase na prevenção, porque é preciso provocar uma mudança da raiz cultural que estimula a objetificação e desumanização das mulheres. “Para trabalhar melhor os dados e integrá-los com os da Saúde e Educação, criamos o Observatório do Feminicídio em parceria com a UFRJ. Toda mulher fluminense tem o direito de ser respeitada e de viver em paz. Estamos aqui para lutar todos os dias por esse direito”, afirmou.
Para a presidente do ISP, Marcela Ortiz, a história do Dossiê Mulher converge com a história do Instituto de Segurança Pública, principalmente quando se trata de pioneirismo. “É muito importante lembrar que o Rio de Janeiro foi o primeiro estado brasileiro a divulgar dados sobre violência contra a mulher e fazemos isso há 19 anos ininterruptos. A 19ª edição vem com análises novas, fruto da dedicação e do amadurecimento intelectual de pesquisadoras e policiais em sistematizar e traduzir, de forma cada vez mais rica, os números oficiais da segurança pública”, observou.
O governador Cláudio Castro, disse que o enfrentamento do feminicídio e a proteção integral da mulher são prioridades do governo fluminense. “O lançamento do Dossiê Mulher reafirma o nosso compromisso de incentivar ações de proteção, acolhimento e atendimento de todas as mulheres, especialmente das que são vítimas dessa grave violência”, disse em texto divulgado pelo ISP.
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