Paris não é uma festa
Na bela biografia que de Assis Brasil escreveu Paulo Brossard (J. F. de Assis Brasil. 2ª ed., Porto Alegre: Est Edições, 2004), há algumas referências aos volumes da vasta biblioteca pessoal do grande publicista gaúcho.
Na bela biografia que de Assis Brasil escreveu Paulo Brossard (J. F. de Assis Brasil. 2ª ed., Porto Alegre: Est Edições, 2004), há algumas referências aos volumes da vasta biblioteca pessoal do grande publicista gaúcho. Uma das que mais me tocaram foi a nota, à margem da página, que Assis Brasil apôs a um livro de história da religião — “Embora não creia no sobrenatural, ou no incognoscível, sou católico, apostólico, romano, no sentido de pertencer à civilizacão católica. O bom filho não recusa a sua mãe.” O leitor há de me perdoar a possível imprecisão da citação, pois a faço de memória, sem dispor do livro ao alcance da mão.
Logo lembrei das palavras de Assis Brasil, tão bem destacadas pelo seu biógrafo emérito, quando me deparei com a enchurrada de protestos, vindas de todas as partes do mundo, à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, na qual se verificaram, com tintas aberrantes, um tal grau de desrespeito pelos mais importantes valores da nossa cultura — merdularmente cristã, como sabemos —, que é difícil mensurar até que ponto tal afronta mancha a própria imagem das Olimpíadas e, mais ainda, da França e sua república.
Não vou entrar em maiores detalhes; todo o mundo viu a bobagem pedante, que já não encerra mais nenhuma novidade no frondoso catálogo da iconoclastia irreligiosa do Ocidente iluminista — ou pós-iluminista, como quer que queiram —, que teve lugar em Paris, sob a chancela e o aplauso, algo constrangido, da oficialidade do Comitê Olímpico Internacional e da União Europeia. O estrago já estava feito. Havia que administrar os danos. Logo veio a onda de críticas e, o que é mais, de zombarias ao que os franceses e sua república, ainda presos aos dogmas de 1789, pensam do arremedo de “cristianismo” que criaram para si. A Paris do grande livro de Hemingway parece ter caído no prato raso do ridículo.
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Juan Manuel de Prada, com a sua pena de grande escritor, debochou da “pretendida transgresión” do “mamarrachismo” espalhafatoso da representação supostamente artística que vimos em Paris (ABC Opinión, Madrid, 28.07.2024). Roberto de Mattei não hesitou em classificar o “show de Paris” como “un atto di guerra contro la Civiltà Cristiana” (Corrispondenza Romana, 31.07.2024). No Brasil, José Fucs, sempre lúcido, percebe que as críticas ao que se deu em Paris “vão além da direita e de bolsonaristas” (Estadão, 28.07.2024). O mal-estar geral foi de tal monta, que mesmo o senador Randolfe Rodrigues — cuja adesão ao progressismo é notória — resolveu se embrenhar nas veredas do bom-senso e fez sérias restrições ao que chamou de ofensa a “símbolos religiosos” (Metrópolis, Brasília, 27.07.2024). Com as suas limitações e amarras ideológicas, foi uma declaração digna de nota.
O que se impõe — com clareza meridiana, como se diz — é por que o dito mundo moderno ainda perde tanto tempo, faz correr tanta tinta, desperdiça tamanho esforço para escarnecer da fé “primitiva” dos nossos avós, religião eivada de “superstição”, com seus dogmas mofinos, suas práticas “atrasadas”, sua moral “hipócrita”, suas crenças tão “rudimentares”, incompatíveis com a “liberdade”, a “igualdade” e a “fraternidade” da nova era iniciada sob o ranger das guilhotinas e o estrugir das baionetas de um certo general corso. Por que ainda achincalhar uma religião que nada mais nos diz, que não nos impõe mais a sua moral “retrógrada”? O que tanto incomoda a oficialidade das “conquistas modernas”?
No ano do centenário de nascimento do grande jurisconsulto, publicista e tribuno, sejam estas palavras uma singela homenagem a Paulo Brossard de Souza Pinto, figura exemplar de homem público e mestre do parlamentarismo brasileiro.
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