COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A Partícula de Deus

Falamos sobre as controvérsias da mecânica quântica e homenageamos Peter Higgs.

Allan Kardec

 

Um gato é colocado em uma caixa fechada com um dispositivo que pode ou não liberar uma porção de veneno, por um mecanismo em nível atômico. Se o átomo decair, uma chave aciona um mecanismo que quebra o frasco de veneno, matando o gato. Se o átomo não decair, o gato permanece vivo.

Segundo alguns, até que a caixa seja aberta e o sistema observado, o átomo estaria simultaneamente em um estado de decaimento e não decaimento. Consequentemente, o gato estaria simultaneamente vivo e morto, num estado de “superposição”, algo que não presenciamos no dia a dia.

Esse fenômeno é chamado de “Interpretação de Copenhague” e é uma das mais antigas e discutidas visões da mecânica quântica. Desenvolvida principalmente por Niels Bohr e Werner Heisenberg na década de 1920, durante seus trabalhos em Copenhague, ela aborda como tratar fenômenos quânticos.

Em 1935, um dos maiores físicos da época, Erwin Schrödinger propôs o experimento da caixa acima que acabou sendo conhecido mundialmente como “gato de Schrödinger”. A visão de Bohr e Heisenberg tem implicações profundas para os debates sobre conhecimento hoje. 

No fundo, encontramos vários livros, inclusive de fundamento filosófico e religioso cunhando aquela interpretação como única e verdadeira, embora vários físicos a criticassem, como Albert Einstein. Ele perguntou: "a lua está lá mesmo quando ninguém está olhando?", desafiando a ideia de que a realidade dependeria da observação.

Essa é só uma das belas ideias que surgiram de mentes brilhantes no último século. De fato, a mecânica quântica ainda é mais forte porque ela faz parte do nosso dia a dia, como nos computadores, telefones celulares, lasers ou ressonância magnética. Mas os debates não param aí.

Outra controvérsia interessante que tem sido motivo de críticas tanto por parte de cientistas quanto de teólogos, é a “partícula de Deus”. A alcunha foi popularizada pelo livro de Leon Lederman intitulado "The God Particle: If the Universe is the Answer, What is the Question?".

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A intenção original de Lederman era referir-se àquela partícula, o bóson de Higgs, de maneira irreverente e provocativa. Ele escolheu o nome "partícula de Deus" não por alguma conexão religiosa, mas porque a partícula é tão fundamental para o entendimento do universo e, na época, tão difícil de detectar, que parecia quase uma entidade mística.

Sua importância reside em seu papel crucial na Física, que explica as partículas fundamentais e as forças que as governam. O chamado bóson de Higgs é responsável por dar massa às outras partículas, permitindo a formação de átomos, moléculas e, consequentemente, tudo o que existe no universo macroscópico que vemos e tocamos.

Previsto em 1964 por Peter Higgs, o Bóson de Higgs só foi detectado em 2012, no Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN, na Suíça. A descoberta foi um marco científico, confirmando uma das previsões mais importantes do Modelo Padrão e abrindo caminho para uma compreensão mais profunda do universo.

Ele recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2013, meio século depois. Ele era conhecido por sua humildade e aversão à publicidade e, apesar de sua descoberta monumental, publicou relativamente pouco depois de seu famoso artigo.

Sua relutância em publicar mais frequentemente foi notável. Higgs mencionou em entrevistas que ele não sentia a necessidade de publicar a menos que tivesse algo realmente importante a dizer. Ele não se interessava por publicar apenas para acumular mais artigos em seu nome, uma postura que destoa bastante do cenário acadêmico contemporâneo, onde a pressão para "publicar ou morrer" é intensa.

Peter Higgs faleceu aos 94 anos, no último 8 de abril. Sua descoberta e perspectiva ressaltam uma abordagem mais filosófica e menos frenética à pesquisa científica, sugerindo que a contribuição significativa não necessariamente vem de um grande volume de trabalhos, mas da qualidade e impacto de ideias bem fundamentadas. 

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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