COLUNA
Entrelinhas
José Linhares Jr é jornalista e editor de política no Imirante.com
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Espantalho bolsonarista irá salvar a miséria no Maranhão?

Deputado estadual maranhense deu a entender que bolsonarismo pode substituir José Sarney no imaginário político local.

José Linhares Jr

Nos anos crepusculares dos anos 1980, e ao longo desfile das duas décadas que se seguiram, o Maranhão era uma terra onde o nome Sarney reinava supremo. Mais imutável que as leis da física, inspirando dissertações intermináveis de qualquer alma que se atrevesse a opinar sobre política, fossem sábios ou palpiteiros. Um tempo em que o ex-presidente se assemelhava a uma figura mitológica, invocado tanto por professores doutrinadores de meia pataca, quanto por jornalistas que vagavam pelas brumas da desinformação e tantos outros. Era uma época dourada cujo hábito de culpar Sarney por tudo funcionava como se fosse um encantamento mágico. Qualquer um se transformava em analista político ao culpar Sarney por tudo.

O eterno retorno nietzcheano poderia ser parafraseado pela eterna muleta maranhense. O que mudou drasticamente com a chegada do ano de 2014, marcando o início de um período que prometia um vazio existencial tão profundo quanto o abismo também propagado pelo filósofo alemão. A oligarquia fora derrotada naquele ano. Com o avançar do relógio, 2018 consolidou e 2022 selou o destino: Sarney não poderia mais ser uma desculpa para tudo.

Agora, não me deterei nos paradoxos de ver aqueles que pintavam o ex-presidente com as cores mais sombrias da paleta exibindo hoje, com um sorriso de orelha a orelha, selfies ao lado dele em suas contas de Instagram. Essas gargalhadas são deliciosas demais para serem degustadas rapidamente, merecem um banquete à parte. Outro texto, um texto futuro. Se deixarem…

Passados dez anos da ausência de uma muleta existencial, entra em cena o deputado estadual Rodrigo Lago. Descendente direito de um cavaleiro que lutou bravamente contra a oligarquia. Hoje, na falta de sua Roseana, já tem seu Bolsonaro mirado na mente.

Em discursos na tribuna da Assembleia Legislativa nos últimos dias 19 e 20 de março, Lago desembainhou sua espada e fez uma espécie de chamamento por uma cruzada para salvar o maranhão do bolsonarismo.

Rodrigo Lago afirmou que o tal do bolsonarismo não pode se criar. Alertou para problemas que irão decorrer da ausência de um combate. Chegou a falar que “o clima de campanha deve ser constante”. Cobrou o governador Carlos Brandão por abrigar em sua base deputados e prefeitos “bolsonaristas”. A cólera no olhar denotava um espírito inflamado pelo fogo eterno do ímpeto político.

Por muito pouco não apontou para a deputada Mical Damasceno e disse: “Você precisa sofrer um exorcismo político, Satanás”. Não se ria, meu senhor. Não se ria, minha senhora. O homem estava preocupado com esse negócio de bolsonarismo no Maranhão. Lembrou até o pai falando de Sarney.

Mas, que diabos é “bolsonarismo maranhense?” Dentro do cenário político local, apesar dos estrondosos tambores batidos por Rodrigo Lago, o bolsonarismo se assemelha mais a uma brisa frágil do que a um vendaval avassalador. O nada é mais que o bolsonarismo na política do estado. 

Esse leviatã a ser combatido, na realidade, mal consegue firmar seus pés nas areias do Maranhão. Com representação política reduzida a um par de deputados estaduais, uma mão cheia de prefeitos num universo de 217 municípios e alguns suplentes na Câmara Federal, o bolsonarismo no estado nem de grupo pode ser chamado. 

Fato: mesmo sob o brilho da presidência de Bolsonaro, nenhuma figura bolsonarista marcou seu território com destaque na política local durante o mandato do ex-presidente. Algo que deixa claro que o tão temido bolsonarismo, aos olhos de Lago, tem mais de delírio do que de delito. Apenas uma sombra em uma terra onde outros desafios, muito mais concretos, clamam por atenção.

Que desafios? Que tal a miséria, o desemprego, subdesenvolvimento e insegurança que rondam o Maranhão? Ou esses são só meros detalhes perto da grande caçada ao bolsonarismo proposta por Rodrigo Lago?

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No dia de seus discursos, Lago fez questão de mirar de forma implacável Mical Damasceno. Implorou ao governador Carlos Brandão que a perseguisse, excluísse e cancelasse. A certa altura, tentou constranger a deputada que pede voto a conservadores e faz parte da base de apoio de um governador do PSB.

Para aqueles que ainda não desbravaram as páginas da história política recente, ou cuja juventude os poupa da memória dos embates políticos passados, é interessante saber que o PCdoB, partido de Lago, costumava entoar cantos de batalha contra a ex-governadora Roseana Sarney. No entanto, ironicamente, o partido fazia parte do governo de Roseana.

Um capítulo que, curiosamente, parece ter sido convenientemente omitido da memória de Lago. Aliás, igual esquecimento parece ter acometido o deputado entre 2019 e 2022. Na ocasião, o deputado esqueceu de convocar seus camaradas que seguravam as rédeas de cargos federais a renunciar suas posições durante o mandato de Jair Bolsonaro.

Pois é…

Essa seletividade de memória é mais reveladora que um espelho em uma casa de horrores, distorcendo imagens ao sabor dos caprichos e medos, enquanto desfila uma comédia de erros que mesmo o mais astuto dos dramaturgos hesitaria em conceber.

Além do puro bom senso, também é preciso olharmos para a década de 1990 para entender a cruzada do parlamentar. Naquela época, o sobrenome Lago já era um estandarte de vociferações e animosidades políticas que, apesar de todo o barulho, resultaram em uma colheita magra de realizações concretas ao longo de diversos mandatos. 

O blefe inicial, que outrora ecoava com vigor pelas tribunas, encontrou seu refúgio melancólico entre as cartas de pôquer e apostas, revelando um legado de estratégias ruidosas que, no fim das contas, se dissiparam sem deixar marcas substanciais na política ou na vida dos maranhenses.

O fato é que subir ao palanque e combater um inimigo praticamente inexistente assegura, ao menos, uma sensação de propósito, por mais ilusória que seja. O tempo se encarrega de distinguir o real do ilusório.

Antes, o monstro era o Sarney; agora, o bolsonarismo. E quem sabe o que virá depois? O genocídio das girafas na Baixada Maranhense ou o fascismo das panelas de pressão da Havan?

Assim como não é o bolsonarismo agora, o grande problema do Maranhão nunca foi José Sarney e seus aliados no passado. A coisa vai além, muito além. Perpassa toda uma cultura, toda uma estrutura, toda uma realidade que, em muito, é nutrida por essa mania de desviar a atenção do que realmente importa.

A grande necessidade da política local é a abolição de ilusões como mecanismo de manutenção de castelos de engodo.

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