Um encontro memorável com sua memória
É hora de um ajuste de contas com ela.
Um belo dia você lembra de que sua memória existe e de que trabalha para você. E, por coincidência, justamente porque começou a esquecer de muitas outras coisas. Num dia você esquece a chave do seu carro, no outro, do próprio carro. Num dia você esquece a senha do seu celular, no outro o próprio celular. Ora, como você não é mais nenhum garotão, começa a desconfiar de que sua memória tem certos problemas e de que é hora de um ajuste de contas. Você começa;
“O que está acontecendo com você, memória? De uns tempos para cá sinto que você está me sacaneando, me traindo.”
“Você não devia falar assim comigo. Já sou uma anciã, como você e cum pro minhas obrigações na medida do possível. Na verdade, não sou eu que estou falhando, mas quase tudo em você.”
“Por que ontem você não me lembrou de que era o último dia de pagar o IPTU sem multa? Por que me deixou falar sem querer o nome de Valdete, minha amante, no grupo de nossa família no whats”app? O que está acontecendo, vamos me diga!”
“Não posso compensar suas trapalhadas o tempo todo. Você teria que se ajudar também. Nunca se preocupou comigo, nunca faz exercícios, nem gosta de ler. Sequer uma palavrinha cruzada de vez em quando para me ativar...”
“Eu confiava em você cegamente. Outro dia a Valdete me chamou de broxa. Fiquei irado, onde já se viu? Expliquei a ela que vacilar uma vez a cada dois meses nunca foi sinal de impotência e ela me jogou na cara que mais de dez em um mês, sim, é que é difícil aguentar. Eu não me lembrava disso, mas o pior é que não tive convicção, entende? Dei um branco e tive de deixa-la sair com ar de vitoriosa e simplesmente por quê? Ora, porque de repente você parou de fazer seu ofício direito? Assim não dá. “
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“Isso se chama memória seletiva, seu ingrato. Um filtro que eu tenho de fazer para poder lhe atender. Você teria preferido que eu lhe lembrasse constantemente de seus fracassos? Seu apelido de infância era Boca de Chuveiro, todos o chamavam assim e você detestava, lembra? Claro que não já que eu lhe fiz esquecer. Acontece que hoje, a toda hora se juntam patacoadas suas a registros acumulados que eu tenho de guardar. E eu tenho de trabalhar dobrado para lidar com esse lixo. É lixo demais para uma vida só!”
“Lixo? Você está chamando lixo a tudo que fiz? Vou procurar um médico e ele me dirá o que fazer. Se preciso for, troco de memória, mas com você não fico mais.”
“Quantos anos você tem mesmo? Ao menos se lembra disso?”
“65”
“Mentira, você tem 73. E daqui a pouco estará com Alzheimer. Não é você que não me quer, eu é que não quero mais seu corpo comigo. Vou dar o fora. Au revoir, mon ami ou Adeus, como preferir. E não esqueça de se lembrar de me dizer que a porta é a serventia da casa”.
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