Espelho, espelho meu!
No livro Rápido e Devagar, Daniel Kahneman inicia seus estudos demonstrando empiricamente o quanto o ser humano é um péssimo estatístico intuitivo.
No livro Rápido e Devagar, Daniel Kahneman inicia seus estudos demonstrando empiricamente o quanto o ser humano é um péssimo estatístico intuitivo.
Conhecido pelo notável trabalho sobre a psicologia do julgamento e tomada de decisão, o psicólogo e economista israelense-americano é titular do prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2002 e desafiou a capacidade de uso da racionalidade humana nos dias atuais.
Seus estudos demonstraram o quanto o ser humano é movido por uma parte subconsciente e involuntária do cérebro e que por isso não devemos confiar inteiramente em nossa capacidade intuitiva, principalmente quando o assunto é estatístico.
Isso mesmo, estatístico. A parte da matemática aplicada que aborda uma coletânea de dados organizados e suas respectivas interpretações.
Ou seja, não dá para levar em conta a impressão pessoal que se tem de cada coisa para tomar decisões, principalmente quando o assunto é coisa pública.
Por isso, a ideia é priorizar somente as estatísticas não intuitivas. Aquelas formadas com bancos oficiais de dados do Governo Federal e que não levam em conta o achismo de cada um.
E isso espelha muita coisa. Desde cenários atuais em muitos aspectos, até retratos de um histórico comportamental sob várias perspectivas e ainda projeções para o futuro. Não necessariamente melhor.
Os dados parecem assustadores, mas a realidade abissal merece ser enfrentada não como uma espécie de julgamento, mas de espelhamento para prognósticos e estímulos comportamentais futuros.
Vejamos dois Estados com população aproximada. Maranhão e Santa Catarina.
Com população ao redor de 07 milhões, o Maranhão possui um relatório de vários dados que contrasta ostensivamente com a realidade do Estado de Santa Catarina. E o que mais importa não são os dados, mas a interpretação que se lhes é conferida.
Vejamos sob a perspectiva de recebimentos de benefícios assistenciais e previdenciários pago pelo Governo Federal diretamente aos cidadãos:
· Transferências aos cidadãos (MARANHÃO)
- R$ 872,75 milhões em Bolsa Família (02/2024)
- R$ 254,55 milhões em Benefício de Prestação Continuada (11/2023)
- R$ 31,94 milhões em Auxílio Gás (02/2024)
- R$ 706,08 mil em Seguro-Desemprego (12/2023)
- R$ 1,23 bilhão em benefícios previdenciários (12/2023)
· Transferências aos cidadãos (SANTA CATARINA)
- R$ 161,39 milhões em Bolsa Família (02/2024)
- R$ 126,03 milhões em Benefício de Prestação Continuada (11/2023)
- R$ 6,22 milhões em Auxílio Gás (02/2024)
- R$ 2,73 milhões em Seguro-Desemprego (12/2023)
- R$ 2,76 bilhões em benefícios previdenciários (12/2023)
Como se pode perceber, tirando os benefícios previdenciários e o seguro-desemprego, nosso Estado recebeu a mais do que Santa Catarina 05 vezes em Bolsa-Família e Auxílio-Gás e o dobro em Benefício de Prestação Continuada.
Já por outro lado, o Estado de Santa Catarina pesa muito mais em benefícios previdenciários e seguro-desemprego. O dobro naquele e triplo neste último.
Desse cenário se tiram duas conclusões.
Os benefícios previdenciários - diferente dos assistenciais -, pressupõem prévia contribuição de quem exerce ou exerceu atividade remunerada. Ou seja, trabalhou. E quanto maior o valor das contribuições, maior o valor dos benefícios previdenciários, como aposentadorias, pensões e benefícios por incapacidade.
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O seguro-desemprego denota a mesma leitura. Pressupõe o óbvio, o emprego prévio que foi perdido.
Isso faz concluir que o Estado de Santa Catarina tem mais despesas com seguro-desemprego e benefícios previdenciários justamente porque o comportamento prévio de seus cidadãos revela maiores índices de exercício de atividade remunerada. Ou seja, de pessoas trabalhando e gerando riqueza.
Já os benefícios assistenciais, como o Bolsa Família e o BPC/LOAS – que não exigem prévia contribuição-, pressupõem situação de extrema pobreza ou pobreza, cujo pano de fundo é justamente evitar o alastramento de um cenário degradante de vida de uma parcela da população que sequer possui o que comer.
Nesse o Maranhão é campeão. Mas não precisa continuar sendo.
É justamente para isso que servem as estatísticas. Para sairmos do achismo intuitivo que alimenta uma esperança inata em qualquer ser humano de melhorarmos um dia e enxergarmos com dados concretos a realidade atual para traçarmos condutas objetivas que devem ser tomadas como forma de melhorar o cenário.
Para isso os dados a respeito do emprego formal podem servir como um dos parâmetros.
No último mês de 2023, o Maranhão registrou 600,89 mil postos de emprego formal, com acréscimo em 2023 de 22,04 mil postos em relação a 2022; enquanto Santa Catarina quadruplicou número com 2,41 milhões de postos de emprego, com aumento em 2023 de 62,67 mil postos em relação a 2022.
A melhor tradução acena para o prognóstico de que não apenas o cenário atual e o passado comportamental do nosso Estado devem ser reanalisados, mas que a probabilidade de um futuro melhor precisa seguir os passos de outros entes federativos que podem servir de referência.
E o estímulo ao emprego formal passa por aqui.
Mas o perfil maranhense também apresenta alguns estímulos. Sua balança comercial de exportações/importações é superavitária, enquanto no Estado sulista o déficit beira os 02 bilhões de dólares. Ou seja, lá tem muito mais importação que exportação.
Evidente que centenas de fatores devem ser levantados e estudados clinicamente para se renovar as esperanças por melhorias de dados estatísticos do nosso Estado.
Mas o que se deve carregar como premissa maior é que o primeiro passo a ser dado é enxergar os dados estatísticos reais como elementos de partida não só do poder público, mas de toda a sociedade envolvida. Entendendo que não é só vantagens receber benefícios sem geração de riquezas.
Não se trata de palco de julgamento ou atribuição de culpa. Mas de constatação objetiva para que quadros reais de melhoria comecem a dar seus primeiros sinais de vida e aí passemos a deixar cada vez menos de discutir projetos sob a falsa intuição de melhoria sem elementos concretos.
Daí a extrema importância dos dados estatísticos. Verdadeiros espelhos, de onde você consegue enxergar a si mesmo, mas de fora de si.
Não somente o poder público ou a visão coletiva da sociedade, mas todos nós individualmente se quisermos evoluir, devemos nos enxergar de fora para dentro.
Espelho, espelho meu.
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