Três erros: pragmatismo, imparcialidade e neutralidade
Ser prático, imparcial ou neutro, não é algo errado em si, mas se não conhecemos seu real espírito, estamos sujeitos a praticá-los de forma caricata.
Nas conversas sobre temas sociais – política, economia ou cultura –, de vez em quando, aparece alguém que se diz independente de influências, doutrinas ou algo que o valha: “Sou pragmático, vale para mim o que funciona” ou “Não tenho ideologia, sou técnico”, “Tudo é questão de opinião”, “Sou moderado, nem lá nem cá”. Noto isto com mais frequência nos últimos 10 anos, período em que se intensificaram as discussões políticas, ou a tal da polarização, como chama a imprensa. Acredito que quem que não se sentiu satisfeito com nenhum dos grupos, ou que tem receio de ser associado a qualquer um, recorreu a esse tipo de posição. Soma-se a isso a ideia de verdade relativa e a impressão, parcialmente correta, de que as discussões, em boa parte do tempo, não mudam a realidade. Surge, neste contexto, várias visões sobre as ideias e a realidade. Comentarei, resumidamente, três: pragmatismo, imparcialidade e neutralidade.
No pragmatismo, vale o que “funciona”, não importa de onde vem a solução, pois pensar balizado por alguma doutrina limita o pensamento e te vincula a alguma corrente. Melhor é estar acima e longe das discussões; o mote é resolver o problema e tocar a vida. Na imparcialidade, nenhuma ideia deve prevalecer sobre a outra, mesmo que se acredite em ideias certas e erradas. Afirmar que algo é errado de maneira objetiva é politicamente incorreto. O que importa é a coexistência de todas as ideias, numa paz “democrática” onde todas terão seu espaço, pois a sociedade tem o direito de testar tudo. Por último, temos a neutralidade, que associo a uma espécie de indiferença ou desesperança. Já não se pode mudar as coisas; melhor é se isolar.
Veja bem, ser prático, imparcial ou neutro, não é algo errado em si, mas se não conhecemos seu real espírito, estamos sujeitos a praticá-los de forma caricata. Pergunto ao leitor: se você tivesse que chegar a uma cidade desconhecida, sairia simplesmente dirigindo até lá, ou planejaria o itinerário com ajuda de um mapa e outras ferramentas. A resposta é óbvia. Trago um exemplo. Um jurista me confidenciou, certa vez, que a primeira versão da Constituição de 1988 foi elaborada por uma comissão de notáveis. Mas Ulysses Guimarães preferia que fosse feita “do zero” pelos parlamentares. Os deputados abriram várias constituições e saíram a coletar os artigos que mais gostavam. Resultado: temos uma Constituição que não constitui. Não é bem ajustada nem ao parlamentarismo nem ao presidencialismo, pois lhe falta um eixo. Quando alguém se diz pragmático, mas seu horizonte de consciência é estreito, o que ele faz é puro improviso. Ser prático, da maneira correta, é buscar o melhor curso de ação dentro de uma estratégia bem pensada.
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A boa imparcialidade trata por igual alternativas (ou ideias) que são compatíveis ou cujo antagonismo não seja nocivo/destrutivo. Só se chega a isso, dando a cada ideia o seu devido lugar. Isto, ao fim e ao cabo, é o que o produz ordem: estamos falando da hierarquia. Ter o direito de opinar não é a mesma coisa que ter o direito de estar certo. Não podemos confundir isso. Já a imparcialidade ruim, por sua vez, é permissiva e acha que o fogo e a gasolina hão de se harmonizar. Por último, temos a neutralidade, que ignora o entrelaçamento dos efeitos e causas dos fenômenos sociais e, em razão disso, se afasta, até mesmo como observador, do que acontece. Quando chega a nossa vez no “efeito dominó”, desejaríamos ter feito algo. Só se pode ser neutro entre alternativas exatamente iguais, o que não acorre sempre.
É compreensível buscar alternativas ao que temos por aí. Na verdade, é necessário por em circulação boa ideias se queremos melhorar o nível dos espaços e principais formadores de opinião como os jornais, universidades e na política. Mas não de qualquer jeito. Requer certa perícia que só o estudo dirigido e paciente dão. Para isso, temos que vencer um velho esporte nacional de fugir do estudo aprofundado e a tentação de recorrer aos atalhos e simplificações. Senão, como diz o ditado, pulamos da frigideira para o fogo.
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