COLUNA
Dr Hugo Djalma
Médico nutrólogo e neurocientista
Dr Hugo Djalma

Os elementos psicológicos do vitimismo

O vitimista é o resultado do excesso de direito individual que invade, sem limites e pudor (inclusive biológicos), o direito do real legítimo.

Dr Hugo Djalma

Atualizada em 11/12/2023 às 12h10

Ricardo Jansen, 32 anos, levanta-se às 08:30 da manhã, não fala com ninguém porque acorda sem humor e exige seu café pronto. Grita de longe com dona Francisca, uma senhora de 65 anos que o viu nascer desde quando já trabalhava para sua família, xingando-a porque o ovo está com a gema mole.

Desde cedo o cérebro de Ricardo, automático como todos nós sapiens, faz comparações com os outros, mas cresceu na sua unicidade calculando recompensas sem o proporcional esforço. Em outras palavras, exige receber sem dar ou ter coisas sem fazer o que é necessário para conseguí-las.

Essa distância entre o que você tem e o que merece mostra como nossos cérebros estão vulneráveis a erros em sua capacidade de previsões dos fatos e acontecimentos, e isso depende de seu repertório vivido. No caso do Ricardo é bem óbvio que irá encontrar outros reclamantes semelhantes a ele, repletos de direitos sem deveres, que gritarão em grupo acreditando, com veemência, que os outros são maus e ilegítimos pelo que conquistaram.

Apesar de seu cérebro já ter criado aversão ao Ricardo, a tônica mesmo é entender como são formados os elementos psicológicos na mente dele e da sua diante dessa história: o irrefreável julgamento que seu cérebro já fez.

Todos nós calculamos, nos ambientes, os posicionamentos de cada personagem e fazemos presunções de acontecimentos o tempo todo. Simplesmente indo beber água seu cérebro já expectou se está fria ou quente, a quantidade que beberá, o copo ou até se vale esperar o garçom trazê-la quando se está com pressa.

Fazemos automaticamente julgamentos dentre “bons” ou “maus”, “certos” ou “errados”, “legítimos” ou “ilegítimos”. E fazemos isso com tantos vieses nas decisões que condenamos errado com muita intensidade.

Agora pense na frase: “os filhos dos pobres são os que menos gozam das faculdades públicas”. Pimbá!!!!

Primeiro que seu cérebro impetuosamente já recebeu como verdade absoluta sem saber se realmente é verdade. Mesmo que seja, você já posicionou que eles são vítimas dos “maus” que ilegitimamente tiveram “chance” de estudar, passaram nas provas e não pagaram faculdades.

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Seu cérebro foi mais além e, como um implacável juiz, considera justiça tomar a vaga do garoto altamente estudioso, filho de um trabalhador que lutou a vida inteira para chegar exatamente aonde você quer que o “merecedor” (sem estudar) chegue; que o pobre vá para classe média e vire, a partir dali, o vilão opressor; um ciclo paradoxal. Acredite, o próprio julgamento e condenação são incompatíveis consigo mesmos.

Você acreditou que o pobre é um substantivo, como se fosse uma pessoa. Acreditou também que se trata de uma “vaga” não ocupada por coitados consequentes da maldade de outros que tiveram a “sorte” de sair da pobreza. Então para haver mais justiça nada melhor que empobrecer ricos. Ledo engano, o pobre, na verdade, é uma pessoa que está nestas condições e é, portanto, um adjetivo, talvez temporário.

Dessa maneira fica claro que as intervenções jamais podem ser no adjetivo, mas sim na pessoa. Ninguém trata a obesidade como se fosse um ser, trata-se o paciente obeso. Não se emagrece alguém engordando outra. Assim, a riqueza e pobreza são resultados de comportamento, porém também são resultados de outra lacuna comportamental da sobrevivência: o parasitismo. Aplica-se à nossa realidade: ladrões!! Seja pelo flanelinha que levou seu celular que caiu no chão ou o deputado que você elegeu dizendo que se preocupava com “o povo”. Nestes casos, contrário da obesidade, pode-se sim empobrecer uma nação enriquecendo parasitas.

Acontece que dentre todas as necessidades para a sobrevivência, depois de alimentação e água, a conexão com outros de mesma espécie é a mais importante. As bactérias, as formiguinhas, as abelhas, elefantes, chipanzés e, de forma complexa, nós sapiens, necessitamos criar grupos e tribos sólidas, nem que para isso pintemos o cabelo de roxo, mintamos para nós mesmos sobre crenças e identidades, gritemos ou argumentemos “liberdade” para tudo, e, no final, o que importa é que chamemos atenção. A desimportância ou rejeição são, de longe, as maiores dores que podemos sentir (na ínsula e cingulado anterior). Do mesmo modo, em oposto, os vínculos e conexões são os maiores reforçadores de sobrevivência, mesmo que você ache que seja bom viver sozinho.

Segundo Augusto Cury, uma das armadilhas da mente é o coitadismo, ou vitimismo. Ele refere que o próprio reforço positivo de depreciação de si, presume que o mesmo não é autor da própria história e que demanda “justiça” por ter sua vida consequência da maldade alheia. Uma forma de propaganda da própria miséria que se perpetua cada vez que ele se justifica como inocente e por apontar terceiros como causadores. Reforçam-se positivamente com anestésicos de auto-mentira de suas incompetências e propõem reforços negativos com frustração nos legítimos méritos. Exigentes irracionais de atenção e direitos sem ter feito absolutamente nada correspondente.

Aliás, o mérito não é um atributo humano, e sim da biologia. A própria seleção natural não poupou os filhotes de pássaros com bicos curtos que morreram por não conseguir extrair seus alimentos mais profundos.

Portanto, o vitimista é o resultado do excesso de direito individual que invade, sem limites e pudor (inclusive biológicos), o direito do real legítimo. Esse excesso de direito individual da suposta vítima pode, até legalmente, obrigar terceiros a desrespeitarem seus próprios moralismos familiares centenários em nome do coitadismo alheio. Como uma balança, o que transborda de um lado falta no outro.

Quem sabe se o Ricardo tivesse crescido com a real noção de esforço recompensa, talvez encarado o mérito como algo essencial, ele teria acordado mais cedo exercendo a gratidão pelo que já tem e, inclusive, pela gema do ovo que ele nem comprou. Seu cérebro julga com dois pesos e duas medidas quando “a justiça” envolve você ou o outro.

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