COLUNA
José Lorêdo Filho
Editor da Livraria Resistência Cultural Editora e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís
José Lorêdo Filho

Homenagem à república brasileira

Mas de qual “república brasileira” estou falando?

José Lorêdo Filho

O leitor não está lendo errado — é bem esse o título do presente artigo. Tal instituição brasileira, vetusta e circunspecta, bem que merece algumas homenagens. Mas de qual “república brasileira” estou falando?

Certa feita, flanando pelos sebos de Porto Alegre, o eminente jurista Paulo Brossard teve na maliciosa resposta de um livreiro uma correta lição de direito constitucional — quando perguntado por uma edição de comentários à Constituição, o livreiro saiu-se com uma negativa malandra: “Ministro, não trabalho com periódicos”. O velho maragato e libertador, da linhagem espiritual de um Gaspar da Silveira Martins e de um Assis Brasil, não pôde conter o riso com a troça, e logo passou a maldizer o presidencialismo. Não estava de todo errado, naturalmente.

De qual “república” estou falando? Da de 1889, da de 1930, da de 1937, com a “polaca” do dr. Francisco Campos? Ou, em sua versão mais recente, a “república” do dr. Ulysses? A bem da verdade, de nenhuma de suas versões que dispensaram o expediente tradicional da Coroa e do Poder Moderador. Falo, isto sim, da única república que tivemos, com cetro e monarca, com uma Constituição plástica e maleável, encerrando princípios e se ocupando com matéria constitucional — a “república” de 1822, juridicamente consolidada com a Carta de 1824, já velha de dois séculos mas ainda firme, porque assentada na inteireza dos princípios conservadores e na sabedoria de séculos de experiência política e institucional.

Não quis o relator da Constituição de 1824 criar novos mundos e um novo homem. O velho Marquês de Caravellas contemplou o homem brasileiro, situado no tempo e no espaço, à luz dos ensinamentos de seus mestres Aristóteles e Montesquieu. Apropriou-se, também, o grande estadista, da famosa teoria de Benjamin Constant em torno do Pouvoir Royal, e fez do titular do Poder Moderador, nos moldes característicos da monarquia tradicional, o garante máximo da verdadeira cidadania e da verdadeira liberdade ao tempo do Império. Mais de século depois, o cientista político francês Maurice Duverger, no lúcido livrinho que dedicou à V República francesa (La Ve République. Paris: PUF, 1960), foi encontrar, não tanto nas ideias de Constant, mas na própria experiência semiparlamentar do Segundo Reinado, o grande exemplo de estabilidade e durabilidade das instituições políticas.

Para que tenhamos uma ideia da grande obra de destruição da alma nacional levada a bom termo pelo golpe militar de 15 de novembro de 1889, não será necessário gastar muita tinta. Há uma bibliografia abundante, de Joaquim Nabuco a Armando Alexandre dos Santos, para a qual remeto o leitor interessado. Bastariam, a título de ilustração, as duas monumentais biografias de D. Pedro II, escritas por dois mestres da historiografia brasileira — Heitor Lyra e Pedro Calmon.

Quando ao mais, gostaria que o leitor me acompanhasse num exercício de compreensão da república presidencial brasileira, à luz da sua própria história. Nem sempre tivemos presidentes modelares. Mas um fato para o qual, por vezes, não se atenta é a realidade, duríssima aos condoreiros da “liberdade”, de que os melhores presidentes que tivemos não foram eleitos diretamente, mediante sufrágio universal. Na Primeira República, as eleições eram feitas a bico de pena, como já se dizia à época. Gilberto Amado, com a sua autoridade de parlamentar e fino analista da política brasileira, percebera, não sem um travo de ironia, que a eleição era uma burla e a representação, verdadeira. E, talvez por isso mesmo, exceção feita aos dois primeiros presidentes, Deodoro e Floriano — ambos golpistas, o primeiro fechando o Congresso, o segundo instaurando uma ditadura militar —, todos os demais presidentes do período, de Prudente de Morais a Washington Luís, impuseram um alto padrão de excelência na administração dos negócios públicos, inobstante os erros que, aqui e ali, eventualmente cometeram.

Com a Revolução de 1930, iniciou-se a longa aventura do autoritarismo varguista, em que se procurou implementar um regime corporativo, falso na índole e falho no alcance. Ficou só na intenção, já de si inautêntica. Reconstitucionalizado o país em 1946, foi eleito o marechal Dutra, homem probo mas intimamente ligado à ditadura varguista. Em 1950, depois de ter sufrafado o nome de um ex-ministro da ditadura quatro anos antes, o povo elegeu o próprio ex-ditador, preterindo novamente o brigadeiro Eduardo Gomes, de cuja honradez e austeridade mesmo os adversários mais acendrados não podiam duvidar. É que o eleitorado não sente maiores simpatias pelos exemplos de patriotismo e correção, preferindo antes a balbúrdia, o escândalo e o achincalhe. Em 1955, o povo elegeu outro nome ligado à ditadura varguista — o ex-governador Juscelino Kubitschek, também ele de tendências napoleônicas, o criador do monstrengo dourado de Brasília, o anti-município por excelência, dentro do qual, no dizer de Roberto Campos, “quem perdeu o cracá, perdeu a alma”. Hoje, mais do que nunca, pagamos muito caro por tal bizarrice da direita varguista liderada por JK.

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Em 1960, foi guindado à presidência o mais engraçado dos políticos da república, apoiado pela UDN, cansada de sucessivas derrotas no pleito presidencial. Como a condução de um país é coisa séria, o divertido Jânio Quadros, com a sua renúncia, preparou o terreno para o longo ciclo militar que se iniciaria em 1964, em que o país foi às ruas para exigir a deposição do então presidente João Goulart, por crimes de responsabilidade. O problema é que os militares, que detinham a procuração do povo para depor o antigo vice de Jânio Quadros e realizar as eleições presidenciais de 1965, houveram por bem permanecer duas décadas no comando do poder civil. E foi em novo regime autoritário, bem mais paliativo que o de Vargas, que o país passou pelo maior processo de reforma financeira e administrativa de sua história. Para o bem e para o mal, assim foi feito.

Em 1985, toma posse como presidente da república o escritor José Sarney, figura das mais representativas da segunda metade do século XX, em substituição a Tancredo Neves (também ligado a Vargas), eleito indiretamente e falecido antes de tomar posse. O presidente Sarney impõe a sua autoridade de homem de Estado, e o Brasil faz a transição do regime autoritário para o regime democrático sem traumas, de modo parcimonioso. Já há duas décadas sem eleger o seu presidente, o povo brasileiro ainda não havia perdido o gosto pelo histriônico e pelo insólito — em 1989, sufraga o nome do alagoano Fernando Collor de Melo, que sofre impeachment em 1992. Outro vice assume o poder, o mineiro Itamar Franco, e é outro eleito indiretamente a se revelar um presidente moderado e de bom-senso. Depois de 8 anos de social-democracia e 13 anos de petismo, em que tudo se fez neste país, desde o esbulho da Vale até o chamado “Petrolão”, sobe ao poder o paulista Michel Temer, outro vice marcado pelo equilíbrio e pela contenção, pela boa governança e pela discrição. Chegamos a Bolsonaro em 2018, eleito pelo histrionismo que o fez famoso, não pela competência que acabou revelando ao compor um ministério admirável. Não se fez por esperar em sua prodigalidade em suscitar conflitos desnecessários, nada obstante o bom governo que fez. E, por fim, em 2022, o povo confere a Lula, corrupto notório, julgado, condenado e preso, o seu terceiro mandato presidencial.

Eis aí, em linhas bem gerais, a história atormentada do nosso presidencialismo. Como monárquico de orientação tradicional, defendo, por razões de viabilidade, o parlamentarismo monárquico. E, circunstancialmente, chego mesmo a pugnar pelo parlamentarismo republicano, certo de que razão assistia a Afonso Arinos de Melo Franco quando denunciava que o presidencialismo brasileiro se tinha degenerado em um “plebiscito entre dois demagogos, que se enfrentam periodicamente nas campanhas eleitorais.” (FRANCO, Afonso Arinos de Melo & PILLA, Raul. Presidencialismo ou parlamentarismo?. 2ª ed., Brasília: Senado Federal, 1999, p. 12).

 

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Não posso deixar de mencionar a posse do meu querido amigo Alexandre Maia Lago na cadeira nº 27 da Academia Maranhense, no último dia 09, quinta-feira. Escritor, ensaísta, crítico literário, com diversos livros por publicar — conforme nos confidenciou o poeta e acadêmico Daniel Blume, no seu discurso de recepção —, entre contos e romances, o autor das Letras de Sempre, coluna semanal que mantém no Jornal Pequeno, revelou-se experimentado tribuno, com a bela peça de oratória do seu discurso de posse, na estrutura harmoniosa e na limpidez da frase evocativa. Merece a publicação no próximo volume da Revista da Academia Maranhense de Letras.

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