COLUNA
Euges Lima
Euges Lima é historiador, professor, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do IHGM.
Euges Lima

Contestações da fundação francesa de São Luís

Os questionamentos e inseguranças acerca da ideia de fundação francesa da cidade de São Luís é algo que verificamos em vários momentos e épocas diferentes a partir do século XX.

Euges Lima

Os questionamentos e inseguranças acerca da ideia de fundação francesa da cidade de São Luís é algo que verificamos em vários momentos e épocas diferentes a partir do século XX. Nem sempre se propagou essa ideia de fundação francesa. E quando essa versão se tornou algo corrente, nem sempre se concordou com isso. Essa versão das origens francesas da cidade não se constituiu em unanimidade entre historiadores e intelectuais do Maranhão, embora esteja claro que ao longo do século passado, tenha se tornado a versão hegemônica sobre a fundação da cidade na historiografia. 

Quando os precursores questionadores da fundação francesa, por assim dizer, já estavam completamente esquecidos, assim como seus textos desconhecidos pelas novas gerações, não lhes restando mais nenhum representante e a versão de origem francesa, reinava tranquilamente, eis que surge no limiar deste século um ponto fora da curva, uma guinada historiográfica em relação ao tema, com o livro “A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos (2000)” da professora e historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix.

 Impressionante foi ver como um “livrinho” de apenas 79 páginas em sua primeira edição − prova que quantidade não é qualidade −, gerou tantas polêmicas e controvérsias acerca das origens fundacionais da cidade, causando em torno da questão, certa polarização entre estudiosos, historiadores e intelectuais. 

O fato é que os questionamentos que a professora Lacroix, levantou, naqueles poucos capítulos do seu livro, causaram uma profunda reflexão sobre os mitos e invenções da nossa historiografia e literatura. Seu livro feriu de morte uma versão que há muito se divulgava e havia se consolidado na historiografia maranhense do século XX que é a fundação da cidade de São Luís pelos franceses em 1612. Com seu trabalho despretensioso e sucinto, mas preciso e mortal, ela retomou essa antiga controvérsia que já havia sido esquecida nesse início do século XXI. 

Desde os anos de 1930 até a década de 1990, teremos como antecessores, precursores, desse questionamento da fundação francesa e favoráveis à fundação portuguesa, autores e pesquisadores, como Ruben Almeida (1930); Crisóstomo de Sousa (1940); José Moreira (1970/1980); Olavo Correia Lima (1980/1990) e Orlandex Viana (1990). Estes pesquisadores, vão escrever artigos em jornais e revistas em sua época, demonstrando a inconsistência histórica da fundação francesa da cidade, alguns, gerando até certa controvérsia no meio intelectual e na imprensa, como foi o caso de José Moreira, pesquisador da história do Maranhão, colunista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Falecido em 1998.

Porém, o mito da fundação francesa já estava muito arraigado e consolidado e essas contestações, estavam completamente esquecidas quando o livro “A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos” aparece de forma avassaladora.

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Recentemente, quando pensávamos que não havia mais novidade sobre o tema e que quase tudo já tinha sido dito, então, de forma inesperada, eis que por acaso, numa de nossas pesquisas em jornais antigos, depois de tanto tempo, encontrei há alguns anos, uma surpreendente e incrível resenha sobre o livro “Fundação do Maranhão’’ –  de autoria de José Ribeiro do Amaral − por ocasião das comemorações do Tricentenário da Fundação Francesa de São Luís em 1912. Esta publicação é considerada o livro chave que introduziu essa nova versão, admitindo a fundação de São Luís pelos franceses e retirando dos portugueses esse mérito, pois até então a versão corrente, clássica da historiografia maranhense era que a cidade de São Luís tinha sido fundada pelos portugueses, após a expulsão dos franceses em 1616: “De posse do Governo do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens que recebera da Corte de Madri, tratou com solicitude da fundação da cidade, que pôs sob a proteção da Senhora da Vitória, dando-lhe todavia o nome de São Luís, que os franceses haviam posto ao seu forte. (GODÓIS, 2008, p. 138).” 

Pois bem, encontrei no Jornal “A Pacotilha” de 20 de novembro de 1912, ou seja, contemporânea à publicação e lançamento do livro de Ribeiro do Amaral, uma incrível resenha, escrita por ninguém menos que o escritor e intelectual português, Consul de Portugal no Maranhão à época, Fran Paxeco, que era nessa ocasião, também, jornalista desse jornal. 

Com o título “Uma Boa Memória” e publicada um pouco mais de dois meses após a grande festa de comemoração dos 300 anos de São Luís (1912), promovida pelo governo do estado e a Sociedade “ Festa Popular do Trabalho” e após o lançamento do livro “Fundação do Maranhão”, Fran Paxeco, escreve uma impressionante resenha, descontruindo toda tese de fundação francesa.

O interessante é que até agora, como demonstrei acima com essa breve introdução sobre os predecessores do questionamento da fundação francesa, desde a década de 1930, embora de forma mais discreta, mas com mais força a partir de fins dos anos de 1970 até o início dos anos de 2000; esse achado demonstra de um lado que a nova versão da fundação de São Luís, de origem francesa, engendrada e encampada por Ribeiro do Amaral, não foi unanime entre os historiadores e intelectuais contemporâneos e encontrou forte resistência na visão de Fran Paxeco, descontruindo de forma inteligente e viral, totalmente essa nova versão, contida no livro “Fundação do Maranhão”. 

Por outro lado, a crítica de Fran Paxeco, sobre o livro de Ribeiro do Amaral e sua tese francesa de fundação da cidade, representa um dado novo nesse debate, pois até aqui, as críticas e contestações contra essa nova visão da fundação de São Luís, conforme destacamos, eram de várias décadas depois da publicação do livro. Não se tinha conhecimento anteriormente, de uma crítica contemporânea ao surgimento dessa nova interpretação, ou seja, no seu nascedouro.

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