COLUNA
Lourival Souza
Diretor da Belonave e Mestre em Economia Política (SMC University, Suíça).
Lourival Souza

Rerum Novarum: um remédio para os males da economia

Publicada em 1981, a “Rerum Novarum” é um documento seminal para os estudiosos de economia e um alento aos que querem uma alternativa aos dilemas da direita e da esquerda.

Lourival Souza

As mudanças econômicas ocorridas no séc. XVIII e seus desdobramentos levaram o Papa Leão XIII a escrever um dos mais importantes documentos sobre as relações entre o capital e o trabalho: a carta encíclica Rerum Novarum. Centrada na condição operária, o documento prescruta as raízes do problema e nos oferece uma visão – ampla e realista – do homem, da sociedade e da economia, longe das ideologias liberal e socialista, que então se digladiavam. Seu impacto inspirou um grande número de intelectuais, leis e iniciativas por todo século XX. No entanto, a essência das ideias dominantes permaneceu a mesma e, com efeito, o beco sem saída aonde nos levam.

O leitor pode perguntar por que vale a pena tratar de um escrito centenário, mais do que centenário até. Creio ser importante esta consideração, pois é comum pensar a história como algo que ruma ao progresso de forma constante e irreversível. A bem da verdade, se analisarmos as ideias em sua essência, quase nada é novo. Novos são os desdobramentos em determinado tempo e espaço. A perenidade dos clássicos consiste em perceber a universalidade de certas ideias, tendências e inclinações, razão pela qual acertam como profetas e parecem sempre atuais. É o caso de Leão XIII e a Rerum Novarum.

Entre o séc. XIX e os tempos atuais pode-se traçar um paralelo: as alternativas para a organização econômica estariam no espectro que vai da economia de mercado ao socialismo. Para uns, são conceitos opostos, ou se escolhe o Estado ou indivíduo. Para outros, é possível uma síntese, mais à esquerda ou mais à direita. Para o Papa, a resposta estava “fora da caixa”. Se, por um lado, condenou o coletivismo e o fim da propriedade privada, como medidas atentatórias aos legítimos direitos individuais e familiares, por outro considerou a alternativa liberal-capitalista insuficiente, atentatória, por sua vez, aos legítimos direitos sociais e laborais. Sua Santidade sabia que as visões que permeavam o ambiente desconsideravam pontos fundamentais da natureza social e transcendente do homem. E o que seria isso?

Não nascemos para o conflito, mas para a cooperação. A desigualdade natural, responsável pelo talento de cada um, nos impele para buscar no outro o apoio necessário de fim de suprir as nossas necessidades, obrigando-nos moralmente a zelar para que a solidariedade se realize. É nas associações de todas formas (empresas, clubes, grêmios, sindicatos), a começar pela família, sociedade perfeita e base de toda sociedade civil, que tal espírito de colaboração deve se realizar. Tais associações são chamadas de corpos intermediários e antecedem política, econômica e juridicamente ao Estado, cujo papel é fazer aquilo que elas não são capazes de fazer por si mesmas, sem lhes usurpar o papel e a autonomia (princípio da subsidiariedade). Sem tais associações, ou com seu enfraquecimento, resta o indivíduo desprovido de meios financeiros e morais e, portanto, à mercê do Estado, cada vez mais predatório e autoritário.

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As presentes considerações podem soar como uma proposta de algum partido/ideologia. Mas a aparência engana. Alguns princípios podem produzir resultados iguais, mas os seus desdobramentos, no geral, são diferentes.  Imagine o cruzamento de duas ruas. No momento em que se cruzam, podemos dizer que são a mesma coisa, mas, dali a alguns metros, tornam a se separar e vão para direções diferentes. E como podemos descobrir? Pelo seu espírito, por aquilo o anima e orienta.

A subsidiariedade não é propriamente descentralização, mas um princípio moral pelo qual se sabe, pela natureza mesma das coisas, que é ilícito impedir alguém de fazer algo por si. Neste caso, a autonomia não é uma concessão do governo, mas algo que ele deve zelar e proteger. A solidariedade não é fruto da necessidade de colaborar, mas o exercício da amizade. O bem comum vai além da justiça: é a promoção de um estado de coisas que favoreça ao desenvolvimento integral da sociedade. E, na base de tudo isso, deparamo-nos com a dimensão sobrenatural do homem, que pode ser demonstrada à luz da razão natural e ainda é a crença da grande maioria das pessoas. Esta é a força que faz com que tudo que não se limite a um simples humanismo material se erija em norma maior das sociedades. Para o Papa Leão XIII, os chamados “bens da alma” são a riqueza por excelência, a fonte na qual deve beber o arranjo interno da organização social, política e econômica

Em meio à pobreza filosófica que permeia o debate atual, a Rerum Novarum seria de grande utilidade para a viabilização de soluções muito distantes da visão reducionista e materialista que atualmente impera.

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