Bela, trágica e poeta
Dessa atriz que, morta há mais de meio século, todos se recordam como atriz sex symbol que, no entanto, se chamava Norma Jean e não Marilyn Monroe.
“A boca me torna a mais triste ao lado dos olhos mortos./ Há uma linha escura entre os lábios/ no contorno de várias ondas de brisa numa tempestade turbulenta – ela diz não me beije não me engane/ sou uma dançarina que não sabe dançar.
...Seriam os versos acima de autoria de Ana Cristina César? Ou de Sylvia Plath? (Pois o título desta crônica apontou para mulheres e, além de mulheres, poetas, trágicas e belas).
Não, o conteúdo acima é de autoria de Marilyn Monroe. Dessa atriz que, morta há mais de meio século, todos se recordam como atriz sex symbol que, no entanto, se chamava Norma Jean e não Marilyn Monroe, que era morena e não loura, e que estava mais para triste e solitária do que para a doidivanas de esfuziante felicidade que aparece em tantas imagens.
O fato é que o aparente paradoxo enfeixando o mórbido apelo de alguém famoso e sedutor com um final trágico, povoou as páginas de livros e filmes sobre a trajetória de uma mulher que não era infinitamente bela como a comoção a tornou, e que teria preferido, na sua intimidade, ter sido uma mulher comum com alguém que a compreendesse e amasse.
Esta semana, surgiram na net fotos da atriz lendo Ulisses, de James Joyce, um dos maiores cânones da literatura (que nem todo escritor leu e a maioria que diz ter lido, não leu).
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Marilyn teria lido o romance, de fato, ou posou para compensar a receptividade que tinha de si como “loura burra”, no meio intelectual e que a fez casar-se com Artur Miller, escritor consagrado, em mais um de seus amores desafortunados? A breve leitura de seus poemas mostra que foi uma pessoa de sensibilidade singular, um ingrediente fundamental para ter sido uma artista, de fato.
Ser artista, de fato, é coisa que hoje não é muito comum nos famosos que povoam o mundo das celebridades, cuja mediocridade de produção só não é maior que a ausência da ambição para se aprimorarem, dos quais são exemplos, neste Brasil, os enxames de duplas de cantores sertanejos, e outros que tais.
MM se inscreve no patamar de artistas que ganharam muita grana, mas para os quais isso nunca foi fundamental como, recentemente, a cantora Amy Whinehouse. Seus versos íntimos, feitos no recôndito de sua solidão, mostram bem isso: que Norma Jean não foi apenas a bela e sedutora Marilyn Monroe, porém uma mulher que buscava um sentido mais abrangente para suas expectativas de vida, o que aumenta ainda mais o progressivo fascínio em torno de sua trajetória como mulher e... artista. Como disse após sua morte Arthur Miller, seu marido:
“Para sobreviver seria preciso que ela fosse mais cínica ou, pelo menos, mais próxima da realidade. Em vez disso ela era uma poeta na esquina, tentando recitar seus versos a uma multidão que lhe arrancava as roupas”.
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