A Reforma Tributária e o nosso papel
A votação da reforma tributária é imagem da classe política, mas também um reflexo nosso.
A PEC 45/2019 é a mais nova integrante da longa lista de temas fundamentais tratados sem o devido cuidado. A rapidez com que foi pautada e aprovada pela Câmara dos Deputados já não surpreende ninguém. Em que pesem alguns pontos positivos sobre a unificação de impostos, no geral é um grande cheque em branco que só conheceremos daqui a uns anos, quando outras leis complementares forem aprovadas. Estamos à margem do processo político, vejamos o que podemos fazer.
O poder público existe para amparar a sociedade de forma subsidiária, ou seja, naquilo que não consegue por si, sem jamais usurpar o seu papel. Cada ato, cada lei, cada gasto deve ser orientado a criar as condições para que ela possa florescer ou, pelo menos, evitar os obstáculos desnecessários. Em se tratando dos tributos, a responsabilidade é evidente, uma vez que tira recursos das famílias, associações e empresas, diminuindo suas possibilidades de ação. Por isso, deve ser organizada de forma que não se torne um fardo. Mas, na realidade, as coisas não são assim. O Estado, até pela Constituição de 1988, ainda é centralizador, ineficiente, caro e marcado por fortes turbulências. Há quem lucre com esta situação. Um mercado alimentado pelos que produzem dificuldades e os que compram facilidades.
Esta estrutura perversa tem mecanismos inteligentes de autopreservação que coopta ou neutraliza quem deveria desmantelá-la, razão pela qual nos sentimos sem esperança de qualquer mudança significativa. Mesmo assim, tal estrutura possui falhas que não sabemos explorar. A maior delas reside no fato de que os problemas estão escancarados ao ponto de estar claro para 99% da população que as coisas precisam mudar. Qual a nossa falha? Deixamos de pensar soluções para cobrá-las de quem não tem a capacidade ou, o que é pior, o menor interesse de resolvê-las. Estamos marginalizados politicamente porque nos marginalizamos intelectualmente.
O ponto de partida consiste em superar a visão de que o processo político se limita à política partidária. Na verdade, ele é mais efeito que causa. É o resultado do que a sociedade pensa sobre uma série de assuntos, razão pela qual a formação da opinião pública está diretamente relacionada com o destino da política. E quem vence a disputa pela opinião pública? Normalmente, as minorias organizadas na promoção das ideias. Para o bem ou para o mal, o mundo é governado por elas.
A superficialidade e o discurso ideológico estão por todos os lados. Isto não é um privilégio nosso. Em todas as sociedades, são poucos que se dedicam profundamente a um tema. Não obstante, a sociedade se beneficia do trabalho destes poucos que paulatinamente elevam o nível do debate e amadurecem a percepção da restante da população. Nosso dever consiste em ajudar para que isso aconteça.
Felizmente, não vamos começar do zero. Há em atividade no Brasil pessoas sérias nas academias, nas editoras, nas associações, no jornalismo, nas artes, mas que precisam de algum apoio, espaço ou articulação. As formas são muitas, e provavelmente trate delas em outros artigos, mas hoje vou destacar possibilidades de dois segmentos em que vejo um ótimo potencial para colaboração: associações comerciais e os acadêmicos.
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A Academia é um destes espaços que atualmente padecem pela superficialidade e pela ideologia, mas ainda há nelas bons estudiosos. Já as associações comerciais estão presentes em 3.500 dos quase 5.600 munícipios. Pelo seu perfil proativo, dedicam-se a buscar soluções para sua realidade. Não à toa, costumam ocupar uma posição de destaque.
Imaginemos um típico empresário brasileiro, majoritariamente representado pela pequena empresa de cunho familiar. Depois de uma semana focado na empresa e na família, quanto tempo e energia lhe sobrariam para estudar sobre gestão pública? Nesse ritmo, quanto tempo levaria para adquirir o domínio de um acadêmico? Agora, imaginemos se ele e outros empresários buscassem algum especialista para lhes ajudar com livros, cursos, palestras, seminários, artigos, projetos de lei etc. Isto certamente parece mais viável e eficiente.
Não estou falando nenhuma novidade. Muitas associações, há décadas, interagem ou contam com corpo técnico para vários projetos, como publicações, centros de estudo ou campanhas de grande relevância, como o “Impostômetro”, fruto da parceria entre a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP), Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributária (IBPT). Mesmo assim, porém, precisamos fazer alguns ajustes e atualizações nesse trabalho. Os sérios problemas à nossa frente são cada vez mais complexos.
Via de regra, as associações que realizam algum tipo de atividade como essas são poucas e se concentram nas grandes cidades e capitais, cujas atividades pouco se conhece fora dos meios especializados e, principalmente, voltada apenas aos interesses de classe.
É natural que uma associação se dedique ao interesse da classe que representa. Mas a complexidade dos nossos problemas não comporta mais uma atuação e comunicação setorizadas. A situação exige um protagonismo capaz enxergar os problemas sob várias perspectivas. Por exemplo, o que entendem ou, melhor, o que propõem as associações empresariais sobre temas como educação, segurança pública ou a reforma política? Até que ponto são conhecidas tais ideias e proposições fora do circuito empresarial? Qual a possibilidade que o cidadão comum tem de abraçá-las?
Tudo isto é necessário para que tenhamos boas soluções, a serem possivelmente apoiadas por parte considerável da sociedade. É assim que vamos pautar a classe política que, talvez na sua maioria, já esqueceu de sua missão.
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