ANA JANSEN, JOSÉ SARNEY E CARLOS BRANDÃO: a história do Abastecimento de água em São Luís, 57 anos de CAEMA!
Em 1855 através da iniciativa privada foi constituída a Companhia das Águas do Rio Anil, com uma concessão de 60 anos para operar o sistema e efetuar a distribuição de água na cidade de São Luís.
Relatar a história dos serviços de abastecimento de água na cidade de São Luís, além de emocionante, é prazeroso. Logo, escrever a história das coisas e quando essa coisa é ainda um serviço parte de uma importante política pública para garantir o bem-estar e a saúde das pessoas. Pois é um diferencial na vida de qualquer acadêmico ou pesquisador.
Os serviços de abastecimento de água no município de São Luís iniciam-se com o uso da força de trabalho escrava tendo como objetivo servir as camadas sociais abastadas. Além de fazer a entrega da água para a higiene e a nutrição, os escravos também faziam o descarte dos resíduos líquidos, a água servida, chamada de esgotos. Os escravos buscavam águas nas fontes públicas e privadas para abastecer os lares. Os segmentos empobrecidos faziam uso das águas de fontes naturais, de poços, cacimbas e riachos.
Diante do crescimento urbano e das complexidades da vida na cidade, os tempos passaram a exigir novos formatos de prestação de serviços. Portanto, é no contexto de ampliação das necessidades humanas e em crescimento populacional que os empresários começam a se fazer presentes nos serviços de abastecimento de água. De maneira que, na sequência, apresenta-se uma síntese do caminho aberto para prover a ganância do capital ainda no auge do capitalismo concorrencial.
As atividades de abastecimento de água iniciaram enquanto um ramo de exploração econômica ainda na metade do século XIX, cujo pioneiro foi um empresário de origem espanhola, Cunha Santos, o qual se associou à poderosa empresária e escravocrata, Ana Jansen, que já controlava as fontes da localidade conhecida como Vinhais Velho e do Apicum. Nesse período, o transporte de água era feito de forma rudimentar, em carroças movidas à tração animal, a força de trabalho era escravizada e os serviços atendiam às camadas da população enriquecida, ou seja, uma elite econômica de uma época em que segundo Ferreira (2014), São Luís se encontrava entre as cidades mais importantes do Brasil Imperial.
Os tempos já exigiam distribuição de água com aprimoramento técnico através de encanação e sistemas de chafarizes; dessa maneira foi aprovada a lei provincial número 287, de 04 de dezembro de 1850, que autorizou o presidente da província a constituir uma empresa para a exploração das águas do Rio Anil como forma de garantir a distribuição aos ludovicenses.
Em 1855 através da iniciativa privada foi constituída a Companhia das Águas do Rio Anil, com uma concessão de 60 anos para operar o sistema e efetuar a distribuição de água na cidade de São Luís. A atribuição da companhia de águas do Rio Anil consistia em captar água no Rio Anil e de fontes de suas margens, além de realizar a adução até o centro da cidade, mais precisamente onde hoje está localizada a Praça Deodoro e que abastecia chafarizes famosos oriundos da França.
Assim, Borges (2005), diz que em 1862, o Largo do Quartel sofreu uma das primeiras reformas, com a instalação de um chafariz, por parte da Companhia das Águas do Anil. Esse chafariz ficava no centro da praça, e a água dele retirada era vendida para a população interessada. Nesse momento, instaura-se nesse espaço cívico por suas origens, um uso voltado para a exploração de atividade comercial.
A gestão dos serviços foi realizada por meio do engenheiro inglês John Blount, que entrou em crise e se retirou do ramo em 1874. Assim a atividade foi assumida por um grupo de empresários de São Luís, por meio de uma empresa que se chamaria “Águas de São Luís”. Esse arranjo funcionou até 1922, quando entrou em cena o capital estrangeiro e agora seguindo a lógica de domínio econômico norte-americano, através da The Ullen Management Company, com sede na cidade de Nova York.
Em síntese, nesse período houve duas experiências de gestão privada dos serviços de água na capital do Maranhão: a primeira, na fase do capital concorrencial por meio de empresários locais e a segunda por uma empresa estrangeira. Porém, é importante informar que nenhuma das formas de gestão conseguiu resolver a crise do abastecimento de água, nem expandir as estruturas de funcionamento do sistema de água da cidade de São Luís em conformidade com o crescimento populacional.
A ULLEN realizou inicialmente alguns investimentos como forma de atrair os olhos do mercado de água na capital maranhense, embora tivesse operado por 25 anos. Mas, não conseguiu dar sequência no sentido de acompanhar o crescimento populacional de São Luís. Com isso, veio uma nova crise e o governo estadual saiu em socorro dos usuários de água, estatizando a ULEN em 1947 e criando o Serviço de Água, Esgoto, Tração e Prensa de Algodão do Estado do Maranhão (SAELTPAE). Essa empresa incorporou os ativos e passivos da ULEN (PRAZERES, 2009).
A cidade continuava crescendo em termos econômicos e demográficos. Entretanto, vale destacar que a participação estatal foi, sem dúvida alguma, superior, mais eficiente e eficaz na busca da ampliação das redes de abastecimento de água na capital maranhense.
Em 31 de dezembro de 1958, depois de perceber a necessidade de uma maior centralização dos serviços e de manter o foco no abastecimento de água, já por entender que isso significaria melhoria na qualidade de vida das pessoas e na saúde pública, o setor passa a ser considerado um serviço de responsabilidade do governo e que seria exercido por um departamento.
Em função das instituições financiadoras, o governo do estado criou o Departamento de Águas e Esgoto Sanitário (DAES), que se instalou em 4 de junho de 1959. Em abril de 1960, com base na Lei Federal nº 3.750, o SESP assume a denominação de Fundação de Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP) e passa a ter nos seus quadros somente técnicos nacionais.
Esse foi um período de maior preocupação com a questão do abastecimento de água na capital do Maranhão. Porém, a fragmentação da política de saneamento no Brasil, era vigente com a existência de vários órgãos responsáveis pela questão do abastecimento de água. Começava a se esboçar a necessidade de um plano nacional para o setor com metas e ações definidas, com o objetivo de melhorar essa questão que já chamava a atenção da relação de saneamento e saúde pública.
No final da década de 1960, o governo federal impulsiona a participação dos estados na busca por uma maior centralização por meio das orientações da equipe do PLANASA, que apostaram em um modelo estadualizado para obter ganho de escala econômica nas atividades de operação e distribuição dos serviços de abastecimento de água.
Assim, conforme Francisco Baptista Salles Ferreira (2019) que foi primeiro presidente da CAEMA, a referida empresa foi instituída para atender aos municípios do interior do estado com população inferior a 5 mil habitantes em que as prefeituras não tinham condições financeiras para ofertar os serviços de abastecimento de água.
Ferreira (Informação verbal, 2019) diz que nos anos de 1960, a Fundação de Serviços de Saúde Pública (SESP), atuava nos municípios com mais de 5 mil habitantes na época, talvez oito cidades no estado do Maranhão se enquadram na referida quantidade populacional. Porém, a maioria dos municípios maranhenses tinha população próxima de 2 a 3 mil habitantes e se encontravam abandonados quanto ao abastecimento de água, pois quando muito tinha, era um chafariz público com banheiro e lavanderias públicas, pagando às prefeituras uma pequena quantia pelo uso. Vale lembrar que a capital contava com os serviços prestados pelo Departamento de Água e Esgoto (DAES).
De acordo com o depoimento do Engenheiro Francisco Baptista Sales Ferreira um dos fundadores da escola de engenharia no estado do Maranhão e da CAEMA, bem como seu primeiro presidente (1966 a 1974), “o saneamento básico no estado do Maranhão sempre foi ofertado de forma deficitária, deixando as camadas mais pobres sem acesso aos serviços, então o na época o governador Sarney criou a CAEMA para levar água aos municípios e pessoas mais pobres do estado”.
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Ferreira (Informação verbal) também relata que o quadro de enfermidades era grandioso, face ao resultado das condições sanitárias e uso de água sem o devido tratamento. “Diante de tal fato, foi acertada a decisão do governador da época, José Sarney, em convidar o engenheiro sanitarista Francisco de Sales Baptista Ferreira para criar e dirigir a CAEMA, de tal forma que por meio da LEI N° 2.653 DE 6 DE JUNHO DE 1966 foi autorizada a criação da Companhia de Água e Esgoto do Maranhão” (Informação verbal).
O engenheiro supracitado diz que se espelhou nos estatutos e regimentos da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR) e o objetivo era socorrer os pequenos municípios que não eram atendidos pela Fundação de Serviços de Saúde Pública (SESP).
Em seu artigo 11, a referida lei instituiu um imposto sobre vendas e consignações de 0,5% para compor o “Fundo do Saneamento” com conta no Banco do Estado do Maranhão à ordem da CAEMA. Dessa forma, a CAEMA nasceu em condições mínimas de fazer investimentos em pequenos sistemas de abastecimento de água para populações com 2 a 3 mil habitantes.
Também vale registrar, conforme depoimento do engenheiro Francisco de Salles Baptista Ferreira (2019), que a CAEMA teve que fazer arranjos iniciais que tornava os custos dos sistemas de abastecimento de água mais baratos, por exemplo, com o uso de tubulações com menor diâmetro, tipo: em vez de 5 polegadas, usa-se de 2 polegadas, ou até de 1 polegada. As condições de abastecimento de água tiveram uma melhora significativa com a criação da CAEMA que significou a ampliação do acesso aos serviços.
A CAEMA com o advento do Planasa conseguiu recursos federais para investir em melhorias na expansão de redes e novas ligações de água. Em 1982, foi inaugurado o Sistema de Produtor de Água Potável do Itapecuru, mais conhecido como Italuís. Apoiado nos investimentos a CAEMA começa a operar os serviços de outros importantes municípios do estado, a exemplo de Santa Inês, Imperatriz e Açailândia.
Contudo, após o fim do BNH e do PLANASA em 1986, a CAEMA iniciou um processo de crise e incertezas financeiras para o custeio da operação e para os investimentos.
Em 1987 o governador Cafeteira viabilizou recursos para uma reforma no sistema ITALUÍS, no mesmo ano iniciou outro projeto denominado Projeto São Luís, realizando amplas melhorias no sistema produtor do Itapecuru, fazendo com que sua vazão chegasse a 2.100 litros por segundos. No entanto, a cidade de São Luís passou por um crescimento desordenado o que levou a destruição de áreas de recarga de aquíferos e ao mesmo tempo a ocupação do solo se conduziu para Áreas de Preservação Permanente (APP).
Tal situação resultou na redução da capacidade de água na represa do Batatã. Então, em 1992 começou na cidade de São Luís, iniciou o racionamento de água nos bairros atendidos pelo Italuís por meio de uma intermitência e passaram a ter água por um sistema de manobra, um dia sim, outro não. No ano de 2000 existia um projeto para ampliar a produção do sistema na época, responsável por 56% do abastecimento de água da capital do Maranhão. Os restantes 44% eram atendidos por poços profundos de aquíferos freáticos e pelo Sistema Paciência e SACAVÉM.
A estimativa era fazer o ITALUÍS produzir 1.800 litros por segundo e ficar responsável por 90% do abastecimento da cidade com a possibilidade de ofertar água para uma população de 1.173.276 habitantes.
Vale destacar que o sistema Italuís não visava atender somente a demanda de água da população de São Luís, mas, teve como base também, a necessidade de garantir as reservas de água doce nos mananciais subterrâneos localizados na Bacia do Tibiri, para a exploração exclusiva dos investimentos vinculados ao PGC (Programa Grandes Carajás) e que se instalarem na capital maranhense, a exemplo da atual Vale S/A, e do consórcio ALUMAR, pois se sabe que as águas subterrâneas da região aqui citada são de boa qualidade e requerem menos gastos com produtos químicos, além de garantir excelente qualidade para o uso industrial e a facilidade da captação.
A partir de junho de 2001 deu-se início às obras de construção de um novo projeto para atender à demanda industrial e ao acréscimo de consumo de uso doméstico de São Luís, denominado Italuís II, objeto da Concorrência Pública 29/2000. Assim, o sistema Italuís II se expressava na construção de uma nova captação no rio Itapecuru, um novo tratamento e a adução da água para as zonas de abastecimento do município. O sistema foi planejado para fornecer uma vazão de 8.450 L/s (sendo 3.200 L/s em primeira etapa) e abasteceria, em conjunto com os demais sistemas do município, toda população urbana e o distrito industrial de São Luís.
O estudo citado ressalta que em 2004, as obras do referido sistema foram paralisadas, sendo implantada apenas parte das obras civis de um reservatório e a casa de bombas da elevatória. Estes, atualmente, encontram-se sem aplicação de modo que os fatores levaram a redução na capacidade de adução de água; desses, destaca-se o aumento da rugosidade das paredes internas da adutora, sangrias nome dado às ligações “clandestinas” ao longo do percurso a adutora do ITALUÍS, corrosão da tubulação, causando frequentes rompimentos (22 ocorrências no período de 2002 a 2012), gerando desabastecimento de água na capital maranhense por períodos que demandam até seis dias para que a normalidade fosse restabelecida.
Portanto, com a intenção de amenizar tal situação, em 2010 a CAEMA contratou um projeto executivo com base no projeto de concepção de 2008 que, por meio de um arranjo, fazia o remanejamento de parte da adutora no trecho do Campo de Perizes, a substituição de 18 km da adutora de água tratada do ITALUÍS. O projeto já executado realizou a substituição da adutora com diâmetro de 1.200mm, em ferro fundido, por uma adutora de 1.400mm em aço. Obra concluída no ano de 2018 pelo governador Flávio Dino.
Além de minimizar as possibilidades de rompimento, espera-se, com esta substituição, um incremento na vazão de água aduzida do sistema ITALUÍS que efetivamente chega à área da câmara de transição dos atuais 1.650 l/s para 2.000 l/s, quantidade essa com capacidade para atender a demanda da época, caso não fosse o alto índice de desperdícios.
De tal maneira que o grande desafio é mudar a cultura dos desperdícios e da desvalorização da água em favor de uma consciência de defesa do meio ambiente. A CAEMA produz água hoje o suficiente para garantir diariamente 300 litros de água por habitantes. No entanto as perdas na distribuição giram em torno de 60% de tudo que é produzido. Assim são necessárias e urgentes ações de combate e controle de perdas.
A história mostra que foi acertada a criação da CAEMA, pois produziu avanços nos serviços de abastecimento de água e hoje opera os serviços em 139 municípios sem distinção da área urbana e rural. O que importa são as pessoas e não o lucro. Um aspecto a destacar é que em um estado que possui mais de 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil) famílias dependentes do Programa Bolsa Família, a CAEMA cobra a menor tarifa do país, ou seja: R$25,49 por até10m³ de água mês. Claro que existem grandes desafios na melhoria da prestação dos serviços e da necessária expansão.
É hora de avançar na educação ambiental com foco na proteção dos recursos hídricos e uso racional da água potável. Pois é inaceitável que se continue a deixar prevalecer a irresponsabilidade no uso da água.
O governador Carlos Brandão tem a oportunidade de impulsionar um programa de combate e controle de perdas com o uso da educação ambiental e ainda a aplicação de uma tarifa social da água para as famílias dependentes do Programa Bolsa Família, porém vinculado ao compromisso de fazer uso racional da água, o qual as famílias se comprometem a não gastar mais de 10 metros cúbicos de água mês.
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