A última de Drucker
Recuperamos uma entrevista com Peter Drucker que não perdeu a atualidade
Estes são dias caros para o Brasil, como foi em outras épocas – vários diriam. Um mundo apinhado de informação e livros é também o mesmo mundo que sofre de asfixia de formação de gente. Fosse em outra época, diríamos que sofremos de um mal sanitário, de uma necessidade de outro programa de Oswaldo Cruz, para nos aplicar não necessariamente vacinas contra sarampo ou catapora, mas contra os males do cérebro e do coração.
Os hinduístas usam um símbolo belíssimo que é da flor de lotus: apesar de viver em um pântano, ela não se deixa contaminar pela sujeira. Tenho a impressão que vivemos no mesmo mundo em pleno século 21, mas invertido: somos cercados de bibliotecas e livros, tanto no mundo concreto quanto na rede de computadores e, no entanto, o conhecimento não nos consegue contaminar positivamente, isto é, deixar-nos beber na fonte fecunda do raciocínio e da emoção.
Mexendo em meus alfarrábios, encontrei uma entrevista com Peter Drucker, grande pensador, chamado de “pai da administração moderna”. Foi Professor de Ciências Sociais e Administração na Claremont Graduate University em Claremont, Califórnia. A universidade deu seu nome à escola de administração em 1987. Drucker morreu em 2005, mas deixou um legado que influenciou toda uma geração de pensadores em administração e empreendedores. Aqui transcrevemos três respostas dadas em sua última entrevista a José Salibi Neto e publicada na revista HSM Management. Peter Drucker fala especificamente do que ele chama “trabalhadores do conhecimento”.
[Q] O sr. foi o primeiro a apontar a força dos trabalhadores do conhecimento. Como explicar que, em países como o Brasil e a Argentina, contudo, a ameaça do desemprego para os profissionais mais graduados ainda seja considerada tão aterrorizante?
[R] No Brasil acontece exatamente isso que eu disse quando são observados especificamente os trabalhadores do conhecimento. É que talvez aqueles não passem de um oitavo da força de trabalho no Brasil, ou até menos e isso talvez não seja percebido. Nos Estados Unidos, isso é mais percebido, porque eles já são 40% da força de trabalho. Por exemplo, li um relatório sobre o sistema de saúde brasileiro – que, devo dizer, não está em condições muito piores que as de outros sistemas de saúde do mundo. Seus hospitais precisam desesperadamente de tecnólogos: há excesso de médicos no Brasil, como na maioria dos países latinos, e escassez de fisioterapeutas, assistente psiquiátricos, tecnólogos. O fato é que o Brasil não dispõe de um sistema realmente eficaz para treiná-los. Suas universidades ainda estão voltadas para o século 19 – formam excelente engenheiros. E o restante do sistema educacional está mais focado em trabalhadores operários. No meio, existem algumas experiências e um abismo. Esse talvez seja o maior de todos os desafios do Brasil, e veja que seus desafios são imensos. Outro desafio é a oferta de educação continuada para todos os profissionais. Há uma boa educação continuada para administradores, mas não para todos os profissionais.
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[Q] Nos dias atuais, quais são as grande tarefas e desafios da administração?
[R] O mais importante é que os executivos tenham em mente o seguinte: são as pessoas que realizam o trabalho. Não é o dinheiro, não é a tecnologia. Portanto, a principal tarefa do executivo – ou, eu diria, seu principal desafio – é tornar as pessoas produtivas. Isso vai ser um desafio ainda maior com o passar do tempo, pois os trabalhadores do conhecimento não se veem como empregados, e sim como parceiros das empresas. Embora a constatação pareça óbvia, é razoavelmente fácil esquecer quando há 20 páginas de dados financeiros diante de si. Esta, aliás, é uma pequena lição que aprendi: o que parece óbvio geralmente é verdadeiro. A segunda coisa a ser dita é que o bom Deus fez as coisas de tal modo que as árvores não crescessem ininterruptamente até o céu. E não há nenhuma empresa que vai crescer para sempre e sair-se bem para sempre. O período médio de sucesso para a maioria das empresas bem-sucedidas é de 30 anos. Pouquíssimas companhias continuam bem-sucedidas por um período contínuo mais longo do que isso. O que geralmente acontece é que, depois, elas não fecham as portas, mas, mesmo que administradas excepcionalmente bem, passaram os próximos 20 ou 309 anos apenas equilibrando-se.
[Q] O Brasil, no entanto, padece do mesmo mal crônico de toda a América Latina, que é a falta de prosperidade. Como reverter isso?
[R] Tenho observado a América Latina há mais de 70 anos, desde o inicio da década de 1930. E confesso que nunca consegui entender a essência do problema desse pedaço do planeta. Quando penso na Argentina, que foi o primeiro país com que tive experiência na região, fico achando que o problema básico é o fato de existir país, mas não existir nação. Por algum motivo, a Argentina não se tornou uma nação, entende? Mas isso não é verdade no caso do Brasil. Na minha opinião, não há outro país no mundo em que a nação seja tão forte quanto no Brasil. Eu provo isso com uma história antiga, de 1955. Eu fui ao Brasil e visitei uma joalheria aberta por um refugiado húngaro chamado Hans Stern. Fiquei muito impressionando e, quando fui para o aeroporto pegar o voo de volta para casa, comentei com um funcionário do Ministério da Fazendo que me acompanhava: “que notável realização desse refugiado húngaro!”. O jovem me corrigiu prontamente e de modo incisivo: “O Sr. Stern não é húngaro; ele é brasileiro!”. Essa é uma história brasileira; não se repetiria em outros lugares. Estou certo de que não há no mundo maior sentido de nação. Por exemplo, em nenhum país do mundo alguém com o sobrenome Kubitschek, filho ilegítimo de um carpinteiro tcheco, poderia ter sido eleito presidente. Só no Brasil. Não preciso nem comentar a história do operário metalúrgico que chegou a presidente, o Lula. E digo mais: o povo brasileiro sabe que o Brasil é a mais forte nação do mundo hoje. Até existe no Japão um sentido nacional quase tão forte quanto o brasileiro, mas é excludente. No Brasil, alguém pode chegar e tornar-se brasileiro em cinco anos. Você percebe a força disso? Bem, por essa razão, sempre analiso a América Latina e o Brasil separadamente.
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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