COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O Choque da Inteligência Artificial

Falamos do mundo novo que surge baseado em Inteligência Artificial.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h39
 

As imagens acima percorreram e chocaram o mundo. Quando vi, pensei que o Papa Francisco teria dado um passo extraordinário em relação à informalidade: aquele casaco era muito parecido com os que os estudantes usavam no inverno japonês. Li em alguns lugares que ele “estaria fashion”, mais juvenil.

Na verdade, elas foram criadas por Inteligência Artificial (IA). Se chocou de um lado os leigos, o mundo de IA está em polvorosa. Os avanços recentes foram extraordinários, principalmente nos últimos anos. Isso é demonstrado pelos dados, quando os testes mostraram que a máquina conseguiu superar o homem, como mostramos na figura abaixo.

 

Seja no reconhecimento de falas humanas, escritas à mão, compreensão de leitura ou entendimento de linguagem e, mais chocante, reconhecimento de imagens. Veja que o ano da grande superação foi 2019. Esse ano, a máquina venceu coletivamente o homem em tarefas específicas. Daí nasceu, por exemplo, o Chat GPT, que está assombrando o mundo! Se juntarmos todas essas propriedades, teríamos uma máquina com capacidades sobre-humanas? 

“Os sistemas de Inteligência Artificial contemporâneos estão se tornando competidores dos humanos em tarefas generalizadas, temos que nos perguntar: devemos deixar as máquinas inundarem nossos canais de informação com propaganda e inverdades? Devemos automatizar todas as profissões, mesmo as gratificantes? Devemos desenvolver cérebros não humanos que podem eventualmente nos exceder em número e inteligência, tornar-nos obsoletos e substituir-nos? Devemos perder o controle da nossa civilização?”

Este é um trecho de uma carta aberta publicada no último dia 29 por mais de mil pesquisadores, especialistas e executivos do setor de tecnologia. Eles conclamam empresas do mundo inteiro a realizarem uma pausa de seis meses no desenvolvimento de novas ferramentas de Inteligência Artificial diante do que chamam de “corrida perigosa”.

Essa revolução de IA foi amplamente prevista, no contexto da chamada Revolução 4.0. Afinal, estava claro que, com máquinas mais rápidas e chips mais potentes, o mundo testemunharia várias novidades e muitas tecnologias disruptivas.

Junto com a altíssima velocidade dos computadores de hoje, apareceram a tecnologia das redes neurais artificiais, em particular, as ditas redes neurais profundas, com centenas ou às vezes milhares de neurônios. Há uma década eram dezenas... E olha que ainda vem aí a rede 5G e seus respectivos aplicativos, algo como um Chat GPT da internet super rápida.

Mas a imprensa, ao mesmo tempo, noticiou que as grandes empresas de tecnologia têm cortado funcionários de equipes dedicadas a avaliar questões éticas ligadas à utilização de inteligência artificial. Entre elas, o Twitter, cujo dono é Elon Musk, um dos signatários da carta.

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Acho particularmente muito problemático os barcos tentarem remar contra a pororoca, como essas propostas de interessados que os outros parem de trabalhar para que eles, secretamente, avancem. Essa turma quer um botão de pausa para os outros e, como já conhecemos o comportamento deles – pelo menos, desse Elon Musk – é complicado levar a sério uma carta dessas.

A mim me parece que vivemos uma crise ética profunda - estampada na face do planeta – o chamado “mundo líquido”. Só para recordar, essa é uma denominação dada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e fala de uma sociedade em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como um líquido.

O mundo líquido lembra a famosa Caixa de Pandora. Aquela lenda grega em que Zeus adverte que aquela não deveria ser aberta porque as consequências seriam graves. Pandora, curiosa, não respeitou, e da caixa escaparam a inveja, o orgulho, o ciúme, a raiva e todas as outras malfeitorias humanas.

Vivemos o mundo da superficialidade, da materialidade. A tecnologia não é sozinha má ou ruim. Os grandes construtores da Humanidade sempre se preocuparam com suas consequências, como Santos Dumont com o avião ou Albert Einstein com a energia atômica. Mas talvez nunca tenhamos engolfados em um mundo tão desconectado dos valores humanos como hoje! 

Consumimos as espumas das ondas, em vez de mergulharmos no oceano de nós mesmos... Essa busca do autoconhecimento e autorrealização um computador não faz... Nem se vislumbra que o consigam! Mesmo porque a abordagem filosófica deixa de ser objetiva e prática para ser subjetiva e espiritual... O Papa Francisco real é aquele admirado pelas suas qualidades profundamente humanistas e não o super humano fashion da Inteligência Artificial.

Melhor que eu, vamos ouvir o velho Chaplin que, nos idos de 1940 em "O grande ditador", traduz bem essa angústia nossa de hoje:

"Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido."

* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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