O poder moderador na Constituição de 1988
O espírito – se há mesmo um, e se for bom – da Constituição é de repulsa ao governo militar precedente, e seria estranho pensar que, numa situação de crise institucional, fosse a caserna chamada para solucionar o problema.
Nas profissões do direito, sem dúvida o jurista merece destaque. Ele não apenas aplica o direito, ele se pergunta a razão dele ser como é. Nesse propósito, pensa problemas e soluções, e, se for sincero, não movido por interesses pessoais, apresentará seu pensamento com destemor. Ives Gandra Martins é jurista. Provou isso quando se posicionou sobre a questão do mútuo enfrentamento entre Três Poderes previstos na Constituição de 1988 e que se arrasta por toda a história republicana brasileira.
A ordem tripartite do poder que emana do povo deve funcionar de forma independente e harmônica. Esse é o comando constitucional. Contudo, não é impossível que uma ou mais dessas estruturas ultrapasse seus limites e passe a sobrepujar as demais. Benjamin Constant de Rebecque, filósofo iluminista franco-suíço, ao pensar o Poder Moderador, regulamentado em carta fundamental, utilizou a metáfora das molas. Propôs então que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário fossem três molas a “cooperar, cada uma de sua parte, para o movimento geral; mas quando essas molas cruzam-se (...) é necessária uma força que as reponham em seu lugar.”. Benjamin Constant queria dizer – e isso é de fato muito importante – que, ultrapassados seus limites legais, esses Poderes não retornarão sozinhos a seus lugares. Experimentamos, nos dias presentes essa verdade, e sob o argumento de que os fins “democráticos” justificam os meios inconstitucionais.
Em quadros extremos como este, o Poder Moderador é uma alternativa plausível, mas não há tal previsão no atual ordenamento. Ao menos não aparentemente. Voltamos ao jurista Ives Gandra Martins. Em que pese a inexistência explícita, a função moderadora, de uso apenas extraordinário e como Benjamin Constant previu, estaria implicitamente reservada no art. 142 da Lei Maior, que tem a seguinte redação: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”. Publicando artigo no sítio eletrônico “Consultor Jurídico”, em 27 de agosto de 2021, Ives Gandra propõe: “(...) se os poderes deixarem de ser harmônicos e independentes e colocarem em risco a democracia com invasões de competência uns dos outros, para sustar tais invasões um dos poderes atingidos pode solicitar a intervenção apenas para sustar a invasão, e para mais nada.”. Segundo ele, essa “intervenção” seria executada pelas Forças Armadas, sendo solicitada por qualquer dos Três Poderes, e ficando ao encargo de seus comandantes superiores. É bem dizer que essa não é a “vontade” de Martins, mas sua interpretação do dispositivo.
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Contudo, ponho aqui minha respeitosa divergência. O espírito – se há mesmo um, e se for bom – da Constituição é de repulsa ao governo militar precedente, e seria estranho pensar que, numa situação de crise institucional, fosse a caserna chamada para solucionar o problema. Além disso, a moderação dificilmente poderia sair de um triunvirato cujo argumento indiscutível é o panzer e o fuzil. É mais fácil acreditar, como o próprio STF já decidiu, que não há Poder Moderador na Carta de 1988 e nunca houve por toda a República. Não estou dizendo que isso é bom. Aliás, poucos profissionais do direito sabem o que ele é, normalmente sendo traduzido como autoritarismo, isso em parte pela desvirtuação que teve no Brasil Imperial, quando foi utilizado frouxamente por D. Pedro II para nomear e demitir ministérios governamentais. Mesmo assim, democracias consolidadas e modernas utilizam o Poder Moderador, como a Espanha: “Artigo 56 1.
O Rei é o Chefe de Estado, símbolo da sua unidade e permanência, arbitra e modera o funcionamento regular das instituições, assume a mais alta representação do Estado espanhol nas relações internacionais, especialmente com as nações da sua comunidade histórica, e exerce as funções que lhe atribui expressamente a Constituição e as leis.”.
Por fim, afirmo de minha admiração por Ives Gandra Martins, que, inclusive prefacia meu livro “Princípios de Direito e Política da Monarquia”, editado pela competente Resistência Cultural de meu amigo José Lorêdo Filho, e que há de circular a partir de março do presente ano. Se Deus quiser!
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