COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A fusão

Pequenas reflexões sobre o grande avanço na Ciência de energia: a fusão nuclear.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 

Uma das novidades que mais me fascinou durante meus estudos foi saber que a luz que eu via e o calor que sentia na pele eram feitos do mesmo material. A professora explicou: o que chega aos nossos olhos e o que sentimos quando algo aquece a nossa pele são pequenas partículas, que todos conhecemos como fótons.

Minha estupefação infantil não ficou por aí: Depois aprendi que os fótons também são os componentes fundamentais da energia! Algo como a alavanca de Arquimedes: “dei-me uma alavanca e moverei o mundo!” A energia foi o maior vetor para o aparecimento da Revolução Industrial e hoje continua direcionando políticas e governando países.

Uma lanterna é um gerador de fótons, assim como os canhões de lasers que nos encantam quando disparados à noite. A diferença da lanterna para o canhão é que o feixe deste último é concentrado, alinhado, organizado. Por isso eles são usados para cirurgias e outras aplicações que necessitam de grande precisão.

Pois bem, no último dia 5 de dezembro, 192 lasers gigantes do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, foram disparados contra um pequeno cilindro do tamanho caroço de feijão que continha hidrogênio. Isso é o equivalente a 450 gramas de TNT – ou o que tecnicamente se chama de 2 megajoules de energia. 

O resultado? Daí se originou um fluxo de partículas de nêutrons que transportavam cerca de 3 megajoules de energia. Ou seja, os cientistas conseguiram sair de 2 para 3, o que significa um ganho do dobro e meio em energia!

A grande vantagem dessa técnica é que há espaço para uma nova forma de energia limpa e menos agressiva do que a outra conhecida: a fissão. Esta tem sido, até hoje, a fonte de energia nuclear. A diferença entre as duas é que a fissão se baseia na separação de partículas, enquanto a fusão, como o nome diz, junta: dentro do Sol e das estrelas, a fusão combina constantemente átomos de hidrogênio e hélio, produzindo a luz solar e o calor que nos banham diariamente.

Já a bomba de hidrogênio é baseada na fusão nuclear. Mas até hoje era incontrolável e, por todos esses anos, os cientistas tentaram replicar essa ideia onde poderiam fazê-lo de maneira controlada. Um dos aspectos positivos da fusão, que é muito superior à fissão, é que ela não produz lixo nuclear. É a fonte de energia mais limpa que existe. Quais as conclusões possíveis e lições para nós?

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O Brasil sempre trabalhou no binômio pesquisa e diversidade. Foi a partir da pesquisa em fontes de energia que o país conseguiu um programa pujante em etanol a partir de cana-de-açúcar, ao ponto de conseguir produzir etanol de segunda geração. Mas também o biodiesel de soja ou sebo, assim como energia elétrica eólica ou solar, além de termos vários projetos – inclusive no Maranhão – visando o hidrogênio verde.

Adicionalmente, nosso país também tem muito gás natural e petróleo. Temos, portanto, uma matriz energética que junta diversidade e baixa emissão – as famosas renováveis – ao mesmo tempo, algo que nenhum outro país conseguiu até agora. Ou seja, temos o que se chama de “lugar de fala” para conversar sobre o assunto com qualquer outro país.

O que financia as pesquisas? Quem paga os programas? Por exemplo, para chegar àquele resultado da fusão nuclear, o investimento do governo estadunidense foi de US$ 3,5 bilhões. Tempo? Iniciaram o projeto em 1997 mas o laboratório só ficou ponto em 2009. Claro que esse investimento todo é justificado para alimentar não só a agenda verde dos EUA, mas a sua máquina de guerra em bombas nucleares – o que não é o caso do Brasil.

O Rio de Janeiro tem uma economia que gira em torno da indústria do petróleo e gás. Foi em suas águas que o Brasil conseguiu o êxito extraordinário de extrair petróleo em águas profundas e ultraprofundas. As universidades têm programas milionários de pesquisa em energia e foram diretamente responsáveis pelos avanços de nosso país. 

Segundo os especialistas, o Brasil já trabalha na área de plasmas e energia nuclear, ainda que sem um programa específico. Luis Felipe Giesteira esclarece, em artigo recente, que o Brasil possui 3 dos 4 tokamaks existentes no hemisfério sul: um USP, outro no INPE e o terceiro na UFES. Tokamaks são a forma mais promissora para aproveitar a energia fornecida pela reação de fusão nuclear. 

Alguém duvida que devamos continuar as pesquisas nesta e em outras áreas de energia? A esta, me ocorrem sempre outras questões: quem bancará os programas de pesquisa em energia do país? Conseguiremos participar ativamente da transição energética sem os recursos e fundos da produção de petróleo? Quais são as outras opções? 

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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